Estamos no final do mês em que se amplia o debate sobre saúde mental e à luz desse tema, faço uma reflexão acerca da sensação de cansaço profundo que tem me abatido.
Assisti ao documentário “Sociedade do Cansaço”, onde o filósofo sul-coreano e autor do livro homônimo, Byung-Chul Han, explana sobre essa sensação de esgotamento físico e psíquico experimentada pela nossa geração. Han a relaciona com a forma que lidamos com as novas tecnologias, onde o uso das redes sociais nos leva a uma síndrome de fadiga de informação.
Essa exaustão também está relacionada com a forma que se organizou o mundo do trabalho no século XXI, onde se busca constantemente uma alta performance como forma de valoração pessoal. A competitividade do mercado de trabalho, imposta pelo neoliberalismo, leva os indivíduos a uma busca constante por resultados. O “Culto à alta performance”, descrito por Alain Ehrenberg, faz com que as pessoas trabalhem cada vez mais, se tornando responsáveis pelo seu sucesso pessoal e profissional: “We can do it!”. Esse tipo de positividade tóxica e até perversa, ignora a premissa de que nem todos partem do mesmo lugar para atingirem o tal “sucesso”.
Buscando a alta performance, os trabalhadores se sentem impelidos a espremerem suas subjetividades, otimizando suas rotinas, se capacitando e fazendo uma melhor gestão de seu tempo livre. É muito comum vermos oferta de ajuda de gurus na internet do tipo “trabalhe enquanto eles dormem”. Quando as forças econômicas, sociais e culturais são excludentes, negando políticas sociais que garantam o emprego, a renda, acesso à saúde e ao lazer, por exemplo, essas mesmas forças obrigam os trabalhadores a se matarem de tanto trabalhar e ainda se sentirem fracassados se não atingirem o modelo de vida ideal.
A tecnologia possibilitou que fizéssemos muitas coisas de forma mais ágil, no entanto, isso não refletiu na quantidade de horas que trabalhamos por dia ou nos nossos salários. Continuamos produzindo em ritmo frenético e ganhando menos. Com a realidade do home office, esse culto à produtividade permanece e se estende as nossas horas de lazer, torna-se cada vez mais difícil diferenciar o trabalho das horas de descanso.
Essa sensação de cansaço profundo se agravou ainda mais com a pandemia, segundo a Organização Mundial da Saúde, o cansaço generalizado acomete 60% da população, com a chamada fadiga pandêmica. Isso porque, além do estresse com o medo da contaminação pelo vírus, nossa rotina mudou drasticamente: isolamento, empobrecimento das relações interpessoais, várias horas por dia na frente de telas recebendo múltiplos estímulos, através das mensagens, avisos, e-mails e notificações… Todo esse acúmulo nos leva a um esgotamento mental que Han já havia apontado, a chamada infoxicação.
Nesse sentido, é urgente reivindicarmos o descanso como um direito natural e não como uma recompensa. Estamos cansadas e cansados em proporções jamais vista antes, atingindo um estado de violência neural, que desencadeia doenças como ansiedade, depressão, insônia e no último estágio a síndrome de Burnout. Não temos tempo para o ócio criativo, para os afetos e o lúdico. Como dito no documentário: “Sem o vazio, nem a arte nem a filosofia são possíveis”. Não há nada de errado em algumas boas horas sem fazer nada! Não precisamos ser produtivos e validados o tempo todo por essa sociedade e ritmo de trabalho que nos adoece. Na sociedade do cansaço trabalhar menos e se dar o direito ao descanso é um ato político.
Foto de Capa: Google
Uma resposta
Perfeita reflexão Nati, hoje precisamos lutar pelo direito ao ócio, a liberdade e a vida que tentam a todo custo arrancar da natureza humana.