O filme que mais marcou a minha vida foi Magnolia, de Paul Thomas Anderson. Lançado em 1999, foi considerado uma das histórias mais instigantes do cinema. Narra um instante curto da vída de nove personagens que se revelam estar mais entrelaçados do que se espera, e tudo por obra de um aparente acaso. Magnolia tem esse título porque a vida dessas pessoas coincidentemente orbita as redondezas da Magnolia Avenue, de Los Angeles, CA.
Tramas e entrelaçamentos
O enredo entrelaça nove vidas. Um rico moribundo, sua esposa jovem e infiel; seu enfermeiro; seu filho, um guru do sexo. Depois tem-se um apresentador de TV que não consegue se relacionar com sua filha. Ela tem uma relação súbita com um policial tímido e sensível. O programa de TV em questão é um quiz com crianças prodígio. Uma delas é explorada e pressionada pelo pai a bater um recorde. Esse escore havia sido estabelecido 30 anos antes por um homem que vive obcecado por aparelhos dentários. Ele não assume sua sexualidade e não consegue lidar com o fato de que a fama passou.
A narrativa entremeia esses fatos de um modo a dar inveja em Tarantino. O guru sexual vivido por Tom Cruise é humilhado por uma repórter investigativa. O wunderkind falha na hora H e passa vergonha no concurso. O magnata está a morrer e quer se reconciliar com seu filho. O policial e moça drogada precisam se entender, enquanto isso, o ex-criança prodígio comete um terrível erro.
Magnolia: amoralismo e desesperança
Talvez o que mais me tocou no filme foi a ausência de algo a se ensinar. Magnolia desnuda suas personagens ao olho do espectador de modo marcante. Nenhum deles é exatamente perfeito ou imperfeito o suficiente para que sirva de parâmetro moral. A criança do filme não parece neutra ou mesmo infantil, ao contrário. Parece conscientemente aprender a se sabotar. Ele quer destruir tudo o que o pai quer que ele seja, para viver em paz. Assim, cada um vive a sua vida, cada um faz seu papel.
O policial erra, a moça drogada se arrepende, o ex-prodígio se revela. O filho acerta com o pai. Todas as coincidências mostram forças superiores agindo. Isso o filme faz crer. Mas não para um bem glorioso, a leitura que o filme sugere é que estamos sob o comando não de um acaso. Mas de uma força que nos leva à tragédia de nossas existências.
Praga apocalíptica
Quando todas as coincidências se revelam, quando tudo parece ter acontecido da maneira mais trágica e cruel, uma mistura de praga do livro de Êxodo com um evento do fim do mundo assola a todos. Isso interrompe a história mostrando que, contra o insólito, o absurdo de uma tragédia maior ainda, todas as pequenas tragédias somem e perdem a importância. Assim, as tramas desaparecem e perdem o sentido ante a constantes vaticínios, durante o filme, de que coincidências demais não podem ser apenas acaso.
Magnolia é uma ode à vida moderna, atual. Uma ode às múltiplas formas de existência em que a desesperança leva ao fracasso. E leva a uma vida sem sentido aparente. É uma forma de nos alertar sobre a realidade que a crença no transcendente esconde. A realidade de que há forças que de fato desconhecemos. E essas forças não são os nossos deuses, não nos farão o que queremos que elas nos façam.
Depois de Magnolia, será que a vida é a mesma?
Portanto, essas forças existem para o fim das coisas e das pessoas. Mas não entendamos isso como um julgamento. Ou como uma forma de justificação e redenção. Por isso, escolhe-se uma forma absurda de representar esse evento apocalíptico. Não vou revelar o evento, caso algum leitor queira ver o filme por si. É uma obra longa, intensa e forte. Eu amei o filme porque me fez sentir um número muito grande de emoções em sequência. Nem todo filme, livro ou qualquer tipo de arte consegue isso.
Magnolia mudou profundamente minha vida, pois não dá para ser o mesmo depois de todas as três horas na frente da tela sofrendo ou sentindo prazer de maneiras certas, duvidosas e intensas. No entanto, minha apreciação não precisa ser a sua, uma vez que temos leituras diferentes. Confesso que o nome do filme me chamou a atenção, porque havia um grande cartaz preto com uma magnólia no meio. Mas a sensação boa de ler esse nome não nasceu da percepção estética do cartaz. Muitas mulheres na minha família se chamaram Magnólia. É um nome que eu ouvia sempre na boca de meus ascendentes. É o nome de uma tia avó que eu vi apenas uma vez na minha vida toda.
Mas agora é essa obra magnífica. Emocione-se como eu me emocionei, porque sentir emoções é saudável. Mesmo que tudo termine num turbilhão surreal de seres inesperados caindo como chuva do céu.
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Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos