Aconteceu, eu perdi minha mãe pra covid-19 e as sequelas que o vírus deixou nela, tentei ao máximo não falar sobre isso, mas acredito que esteja pronto pra escrever sobre esse sentimento tão profundo que é o luto, é importante ressaltar que o sentimento de luto é individual e cada um sente de uma forma diferente, não significa que dói mais, ou menos em alguém, e sim que as pessoas tem seu próprio jeito de enfrentar a dor da perda.
O meu processo de luto aconteceu no momento em que me ligaram do hospital as 23:00 informando que minha mãe, a dona Dadá havia sido entubada, não sou capaz de descrever a sensação daquele momento, sozinho em casa, tentando manter o controle e enquanto gritava sem conseguir me mexer em cima da cama e ligando para amigos próximos que conseguissem me fazer o mínimo de companhia em quanto tentava não entrar em choque. Quando chego no hospital pela manhã e vejo ela daquele jeito fiquei arrasado, e ali mesmo comecei a me despedir, pedi que os deuses me dessem metade da força que ela sempre teve, pois eu sabia que não tinha, pedi que sua partida fosse tranquila, conversei com ela e entre memórias e promessas, fui sentindo que nossa missão havia sido cumprida.
Aguardar a confirmação do inevitável abalou toda minha estrutura, tive crises de ansiedade no trabalho, comecei a tomar decisões de gosto duvidoso, e quando aconteceu, quando me informaram que ela havia descansado, foi como uma espécie de dormência, que se seguiu durantes as horas do inicio do velório, até agora vivo com essa dormência, sem acreditar que isso tudo aconteceu, a ficha cai um pouco todos os dias, ontem fiz as compras do mês e guardei o cupom fiscal como de costume pra conferir os preços com ela, quando cheguei em casa, a ficha caiu, sentei no sofá e contemplei o vazio por um bom tempo.
Toda manhã a ficha cai, quando não tenho que acordar cedo pra fazer o café dela, e toda noite quando não preciso mais desligar a TV porque ela dormiu assistindo, essa dormência vem acompanhada de um vazio que parece não ter fim, percebi que outras pessoas pareciam sofrer bem mais do que eu, e cheguei ao ponto de me perguntar se eu estava “sofrendo certo” até entender que comecei a sofrer bem antes da maioria, enquanto todos guardavam a esperança do quadro reverter, eu já não tinha mais essa esperança, e quando aconteceu, todos sentiram juntos, menos eu que já estava no meio desse processo, ainda hoje sinto o luto mesmo quando sorrio e brinco, me pergunto se ela acharia ruim eu estar “bem” mas sei que ela queria que eu vivesse.
O processo do luto é doloroso, vem de formas diferentes, e todo dia você vai ter que acordar e enfrentar essa realidade, no meu caso, apesar da saudade, sinto uma leveza grande de quem cumpriu a missão, para com um ente que se foi, e que não devemos nada um ao outro, e talvez isso ajude bastante no processo.
Por isso caro leitor quero me desculpar de antemão por trazer um texto tão triste e dolorido, sei que ninguém quer ler sobre a morte, mas se faz necessário abordamos esse tema, e fica aqui meu conselho: resolva seus problemas com todas as pessoas que são importantes pra você, para que no dia que acontecer (todos nós vamos partir) você tenha a consciência tranquila de que fez o que podia, e, disse tudo que deveria, ficando apenas o que é bom e o amor.
Foto de capa por Nandhu Kumar no Pexels
