Aquela calcinha de renda, de cor vulgar e perfume de puta, não podia ser sua! De quem era aquela calcinha amassada pelo ódio de suas mãos? Amanda não sabia.
Foi procurando o maldito celular que caiu debaixo do banco de passageiros do carro que ela achou a renda de seu desespero. Puro fio dental de desespero e insegurança. Se havia uma calcinha, havia de ter também uma dona. Quem era a biscate que havia se aconchegado em seu carro de família?
Ela parou o trânsito por alguns segundos e por alguns segundos desejou ligar para o seu infiel marido. “Puta merda”, falava para si, paralisada com a calcinha na mão e o celular na outra, não fazia nem dois anos de casados e ele já estava lhe traindo. Mas o trânsito precisava continuar e ela prosseguiu trêmula e dirigindo com a calcinha na mão.
Encostou o carro e ficou repassando cada fantasia realizada por ela para agradar ele. De anal a fio terra, tinham explorado tudo o que um casal moderno, de sex shop e aos vídeos de sexólogos, poderiam propor para manter aquela chama da fidelidade acesa.
Ela olhou a aliança em seu dedo. Lembrou das juras de amor entre os orgasmos, e o maldito ainda teve a pachorra de deixar aquela calcinha de vagabunda no seu carro.
Amanda ficou imaginando, tremendo e gritando, imaginando que seu marido devia ter comido a biscate ali mesmo. Insegurança. Agora estava imaginando se ele tinha gostado mais de comer a meretriz do que ela.
Agora tudo fazia sentido, repassando sua semana. A frieza dele. A estranheza. Os telefonemas na varanda fechada do apartamento. Sim! Não era só uma vaca de rua, era uma pistoleira que roubava homens casados.
Ligou para a Pâmela, que era mais experiente nisso. Entre gritos e lágrimas sua amiga comprovava-lhe o que parecia o óbvio: traição, horas extras falsas no trabalho e conselhos do tipo “vamos acabar com a raça dela e depois a gente vê o que faz com ele”. Armaram um plano. Pâmela iria com o carro de seu pai e elas o seguiriam após o trabalho. E assim foi feito.
Era por volta das dezoito quando ela docemente falou com seu marido despedindo-se: “tudo bem meu amor, sei que está cheio de trabalho hoje, te espero mais tarde com um jantar”.
Ela dentro do carro com Pâmela, e seu marido já saindo da porta da empresa.
Seguiram seu carro, pararam a poucos metros, e o viram com olhares suspeitos entrando em uma loja de lingerie.
Além de estar lhe traindo, pensava Amanda na concordância de Pâmela, ele ainda estava presenteando a destruidora de família e saiu com uma sacola na mão. O que deveria ser? Outro fio dental de infidelidade?
Agora outra coisa fazia sentido para ela, nos últimos meses ele havia mudado a fatura do cartão para o endereço do escritório. Aquele papinho de que ele não queria perturbar ela com contas foi uma tentativa de evitar o óbvio: a traição. Como ela podia ter sido tão burra? Começou a chorar e ameaçou sair do carro, pegar uma pedra na mão e quebrar o carro dele e fazer um escândalo. Todo mundo precisava ver sua dor. Mas como sempre, Pâmela era sensata e lhe aconselhou a esperar.
E continuaram seguindo o traidor. Sua angústia misturada à raiva, apenas aumentava sua dor de corna, pensava consigo. Como ela poderia encarar sua família? O que diria a sua mãe? O que seu pai pensaria? Será que sua sogra ficaria do lado dele, ou compraria a dor dela? Todos esses sentimentos repassavam causando náuseas em seu coração enquanto o carro do marido as levava para a direção do motel.
Quando o carro dele subiu a rampa e sumiu atrás do portão eletrônico do motel ela caiu em lágrimas, perdeu as forças ali mesmo, ainda bem que a Pâmela estava com ela, enquanto a biscate estava com ele dentro de algum quarto nojento, santuário da promiscuidade.
Nossa como ele podia ter marcado um encontro com sua amante no motel da cidade? Eles eram até que conhecidos? Quem estava acobertando o encontro deles, já que entrou sozinho? Será que ela estava na porta malas do carro? Impossível. Ela chorava e sua amiga a encorajava a ser forte e vingativa.
Amanda acalmou-se e deixou que a voz sábia da amiga tomasse o controle dos próximos passos. Ela voltaria pra casa, faria o jantar e fingiria que nada teria acontecido. No dia seguinte o seguiria novamente, para ver se ele iria ao motel, pois Pâmela se recordava que conhecia uma das moças que trabalhavam na recepção, e com uma boa grana poderia colocar Amanda escondida lá dentro. Amanda aceitou tudo. Venderia sua alma para se vingar e redimir sua dor.
O jantar foi servido. E ela descobriu que poderia ser uma atriz tão perfeita que ganharia um Oscar. Enquanto ele tomava banho pegou a chave do carro dele e revirou tudo, até achar outra calcinha enfiada no vão do banco traseiro. Essa não era fio dental, e parecia ser uma calcinha de uma senhora mais respeitável. Sentiu raiva e inveja, pois a biscate que andava dando para seu marido tinha bom gosto.
Antes de dormir lhe deu um beijo e quando ele foi trabalhar lhe desejou um ótimo dia. Esperou ele ligar por volta das dezoito outra vez para dizer que chegaria mais tarde.
Ela o seguiu com o carro do pai de Pâmela.
Ele entrou. Pâmela pagou adiantada e a recepcionista a conduziu até a porta da camareira que dava acesso ao quarto em que seu marido estava. Ela disse que uma moça loira e alta tinha entrado sozinha também, não revelou mais detalhes, pois sabia o que já estava fazendo lhe renderia um processo.
Amanda contou exato dez minutos, para pegar no flagra. No entanto, o que ela ouvia eram apenas gemidos dele e os da televisão em algum canal pornô.
Por um momento, antes de ela virar a chave para o seu destino de dor e decepção, hesitou. Não era só uma traição, era todo limiar de uma separação. Ela já podia contabilizar toda dor que sentiria meses, talvez anos. Talvez nunca mais se recuperasse.
Tomou fôlego. Virou a chave e abriu a porta com força e delicadeza.
E viu o seu marido. E viu novamente para ver se era aquilo mesmo que ela estava vendo.
Ele estava lá. Era ele mesmo. A barba dele, o cabelo dele, e aqueles seus olhos assustados com a sua presença. Seu pau duro nas mãos, e uma calcinha de renda nele. Não havia nenhuma mulher ali. Nada. Apenas um homem amedrontado que vestia uma calcinha.
Sua voz saiu e a dele emudeceu. Silêncio e constrangimento.
Não havia amante. Não teve gritos. Só espanto e vergonha.
Ela viu um homem assustado. Ele viu uma mulher envergonhada.
Ela viu um homem com um estranho desejo, e ele viu uma mulher aliviada.
No quarto era só os dois e uma calcinha.
Ela não perguntou nada, pois de algum modo já entendia tudo. Fechou a porta atrás de si e fez amor com o seu marido. Ela e ele de calcinha. Enquanto as rendas batiam entre, ela ria e gozava. Lá fora Pâmela não sabia se já chamava a polícia ou a ambulância, lá dentro um homem e uma mulher descobriam-se.
Para ver mais textos de Sérgio Lourenço, confira sua coluna Queer-se.
Imagem de Bruno /Germany por Pixabay
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