Hoje em dia é quase impossível alguma pessoa, de qualquer idade, falar que não teve um “Crush de transporte público”. Sabe aquela pessoa que passa ao seu lado, quando se está indo a algum lugar como voltando pra casa, ao centro da cidade, etc, que te faz pensar “uau!”, ela te encanta de alguma forma. Seja pelo corpo, pelas aparências, esses fatores comuns.
É o que aconteceu com Hélio, um rapaz super tímido de 19 anos que está descobrindo sobre si mesmo cada vez mais. Poderia ter deixado esse desenvolvimento para a adolescência, mas mesmo na idade adulta nos desenvolvemos ainda, há vários casos, a ciência confirma.
Esse pequeno homem é a prova viva de que a melhor fase de sua vida é a vida adulta, isso mesmo. Contrariando as palavras da grande mãe mídia que nos entretém (e controla), que sempre diz que a juventude (adolescência) é a fase primordial de nossas vidas.
Passou vários anos trancando a si mesmo dentro de um armário (sem piadinhas batidas aqui, por favor) assumia como verdade de que passaria sua vida sozinho, ninguém olharia pra ele, se apaixonasse, queria ser amigo, essas coisas. Anos e anos na escuridão que você acaba acostumando com a dor, não é?
Mas a vida dá voltas, e coisas “estranhas”, curiosas. Hoje esse jovem rapaz vê que não é verdade e que as pessoas olham pra ele sim! E não aconteceu poucas vezes. Pra Hélio, sua autoestima depende muito do dia. Um deles não aguenta nem se olhar no espelho, outros se sente o gostoso da cidade, confiante, seguro, feliz. Ah! Se todos os dias fossem assim…
Enfim, vamos pra história logo porque eu adoro escrever artigos científico inteiros e tem muita gente que reclama, mesmo eu não ligando.
São Paulo, cidade onde os sonhos se realizam! Tipo Nova York, mas é isso aí, a Pauliceia Desvairada é lugar de muita oportunidade.
Hélio sempre reclamava que as coisas não aconteciam com ele, e sim com os outros, coisas estranhas, divertidas, pervertidas e afins. Aconteceu com ele e quase que não nota, moleque brisado demais! De uns dias para cá, notou um comportamento humano estranho acontecendo ao seu lado. Toda vez por semana, naquela fila enorme de pessoas cansadas querendo voltar pra casa logo depois de um longo dia de trabalho, naquele local lotado, o ponto de ônibus do shopping Tucuruvi, também movimentadíssima estação de metrô da Zona Norte, batendo de frente com outras de São Paulo afora, um rapaz, ao vê-lo, o cumprimentava.
Claro, por conta de sua timidez enraizada em sua alma (recentemente bem trabalhada, mas é impossível fazê-la sumir de vez, pois faz parte de sua personalidade, sua essência) na maioria das vezes não conseguia responder o colega, de vez em quando fazendo pequenos gestos com a mão grudada ao corpo, tentando simular um aceno, estava pegando o jeito, aos poucos.
Ficava se indagando a viagem inteira até em casa. Por que as pessoas fazem isso? Do nada! É um total desconhecido, uma pessoa totalmente aleatória na vida dela que surge a cada uma semana, há mais 6,9 bilhões de exemplos da mesma espécie. Por que olha pra ele? Por que gasta energia e seu tempo lhe cumprimentando? Talvez essas perguntas nunca terão respostas, e isso é um pouco amedrontador. O ser humano é tão… Extraordinário! Imprevisível, surpreendente! Essas características faziam o rapaz com nome químico dar mais uma chance às pessoas e não ter mais medo do escuro, deixar sua singularidade para aprender a ser mais com os outros.
Mas enfim, mais um dia sendo aleatório nas condições populacionais lhe impostas, apenas um número dentro daquele ônibus apertado e quente. Por sorte, por causa do horário que saía de seus compromissos, era um dos primeiro da fila, sempre, nunca falhando, como uma máquina, então sempre tendo lugar para sentar e evitar de passar perrengue dentro do transporte público.
E cadê aquele jovem que sempre lhe cumprimentava, era sempre simpático e lhe mostrava um sorriso? Bom, mesmo nas aleatoriedades da vida, há falhas, o rapaz tinha se atrasado, por pouco não tinha lugar para sentar. Hélio estava colocando seus fones de ouvido pra escutar música no celular, maravilhosas tecnologias que permitem fugir da realidade e amenizar a dor que sentia por ser ele mesmo, um caso sendo resolvido aos poucos, calma e paciência são requeridos.
Mas aonde será que o jovem escolherá sentar durante toda a viagem metropolitana? Ao lado de seu coleguinha semanal, claro! Seria aquele ato uma aleatoriedade? A matemática de probabilidade poderia justificar o ato? Bom, o nosso personagem deprimido assumiu que sim, o ato daquele rapaz fora pura possibilidade. Até aí tudo bem, mais um dia, mais uma semana, iria voltar pra casa sem nada de novo em mãos, mas não foi assim.
Existem inúmeros memes zoando o fato de que todo mundo olha o outro usando o celular, quando este senta-se ao seu lado, até aproveita e dá uma espiadinha na conversa alheia imaginando como faria e o que faria caso a briga do WhatsApp do outro fosse com você. Mas o que Hélio tinha visto no celular de seu par naquela Mercedes Benz coletiva mudou seus conceitos profundamente.
Olhando discretamente a tela do celular, o jovem estava conversando com outras pessoas num chat laranja com preto, logo revelando a tela inicial. Ou seja, o boy misterioso estava usando o app Grindr! Então sim, Hélio foi notado de alguma forma, mas seria por causa desse pequenino detalhe? Como saberia? Era a primeira vez em sua vida que encontrara, lado a lado, um “semelhante”, “de sua espécie”. Um dilema tinha surgido em sua mente, estava ficando agitado e ansioso, haviam opções: Ou tentar contato com o rapaz e começar uma conversa, aí ele poderia ignorá-lo, o que seria péssimo e traumatizante, ou acolhê-lo de boa. Ou poderia esquecer o que viu e esperar o universo usar essas combinações de aleatoriedade novamente em sua vida.
Hélio queria tentar contato, mas como? Não era muito bom de conversa, olhava para o rapaz discretamente várias vezes, a cada olhada travava mais. O seu tempo estava acabando, pois o seu ponto de descer do ônibus estava chegando cada vez mais perto. O relógio o pressionava de uma maneira que acabava com o seu psicológico, seria bem frustrante sair daquele ônibus sem o contato daquele homem, não podia se perdoar! Mesmo com o tempo escasso parecia uma eternidade naquela hora, o jovem cobiçado não fazia ideia da batalha mental que estava acontecendo bem ao seu lado.
Hélio decide agir, pelo menos um pouco. Já que falar é impossível, então usará a tecnologia a seu favor, escrevendo um pequeno bilhete no bloco de notas no celular. Porém continuava congelado, estava entrando em pânico naquela hora, até que finalmente tenta agir, cutuca o ombro do rapaz ao seu lado, lhe mostrando a mensagem. Não podia ver o que estava fazendo, desviando o olhar para a janela, morrendo de vergonha. Mas…
Deu tudo certo! O rapaz sorri timidamente para ele, fazendo um “joinha” com a mão. A missão foi um sucesso! Só que há um porem: Hélio demorou demais! O rapaz pediu licença para que fosse descer no ponto de ônibus pra ir pra casa. Mas isso não o desanimou, estava sorrindo feito besta naquele banco do transporte público, muito feliz pelo que fez, nunca tinha feito algo assim, fora do online, uma conquista e tanto!
Hora de ir pra casa, e nem tudo está acabado. No caminho, Hélio procura pelo mesmo app que aquele homem utilizava, sabia que o rapaz morava perto de si, então faz uma pesquisa profunda num raio de 2km de distância, usando como vantagem a tecnologia novamente. Enviou algumas mensagens para alguns rapazes que tinham a aparência igual ao seu príncipe do busão, assim criando uma margem de erro. Bingo!
E não é que encontrou? Viva a tecnologia! Daniel, nome do rapaz, ficou feliz por falar com Hélio novamente, este último com vergonha por achar esquisito “caçar” as pessoas dessa maneira, mas estava tudo bem.
“você me achou!” digitava o Crush com um aspecto envergonhado.
E por assim, pode-se dizer que é o fim da saga da Atração no Tucuruvi.
Por Renan Firmino para o Reverso do Verso
Foto de capa por Fabrizio Verrecchia de Pexels