I may destroy you: uma pepita de ouro no meio de tanto aluvião

I may destroy you é uma comédia dramática de produção britânica que foi ao ar a partir de junho passado nas emissoras HBO americana e BBC One. Considerada uma das melhores produções de 2020 pela crítica, a primeira temporada teve doze episódios de aproximadamente meia hora cada, sendo que a atriz principal, a talentosa Michaela Coel, criou e protagonizou todos eles, além de ter dirigido alguns.

Para quem conhece o trabalho de Michaela em Chewing-gum, série que também teve os episódios escritos e protagonizados por Coel, mas que faz parte do catálogo da Netflix, sabe o que esperar : humor ácido, cenas tocantes e insólitas e questões de atualidade sendo respondidas sem dar lições de moral no telespectador.

A Michaela como Tracey em Chewing-gum nos faz rir a todo momento. Grande fã de Beyoncé, religiosa, ela quer a todo custo perder a virgindade aos 24 anos, mesmo que seu ex namorado Ronald não aceite nem beijá-la por ser religioso praticante fervoroso (ele é na verdade gay enrustido, manipulador e detestável) como a mãe de Tracey, aliás.

Ela se apaixona por Connor, um poeta que nem estuda e nem trabalha, de gostos duvidosos, não sendo bem um cafajeste por falta de malícia.

A sua irmã mais nova Cynthia que também é religiosa praticante (e lunática) acaba perdendo a virgindade com um cara que encontrou na rua (?), e, de forma completamente aleatória, ele aproveita para fazer a limpa na casa depois do ato. Cynthia fica desesperada e não sabe quem culpar.

Tracey tenta de todas as formas agradar a mãe religiosa e pregadora e quer fazer com que ela acredite que também é praticante, falhando miserávelmente.

Chewing-gum me lembra Everybody Hates Chris, Suburgatory e 2 Broke Girls por ter episódios curtos deliciosos de se assistir.

Para quem gosta de temas como sexo, educação sexual, contracepção, religião, vida suburbana, Chewing-gum é uma boa pedida.

Por que estou falando tanto de Chewing-gum?

Porque infelizmente Michaela Coel foi vítima de abuso sexual enquanto estava escrevendo a série.

I may destroy you foi então inspirada no que a autora teve o desprazer de vivenciar.

Eu mais do que recomendo a todos aqueles que amam drama, comédia, humor ácido, boa fotografia e excelentes atuações a assistir I may destroy you.

Na série, Michaela Coel encarna Arabella, uma promissora escritora londrina da geração Y que estava escrevendo um segundo livro sob pressão.

Arabella foi para a Itália para se encontrar com Biagio, um traficante italiano com quem mantinha uma relação casual. Ele fornecia material para ela e sua melhor amiga Terry, atriz em ascenção.

Quando voltou para Londres, seus agentes a pressionaram para entregar um manuscrito até o dia seguinte. Ela sentou, tentou se manter concentrada e escrever o mais rápido possível para recuperar o tempo de trabalho perdido durante a viagem. Ela não conseguiu e foi para o bar espairecer com amigos e desconhecidos (eu já fiz isso, quem nunca?).

Infelizmente, colocaram uma droga em sua bebida e ela acabou sendo abusada em um banheiro por um homem loiro do qual ela não conseguia lembrar do rosto.

No dia seguinte, é extremamente desconfortável de assistir a reunião com seus dois agentes sabendo do que aconteceu antes. Arabella não se lembrava de nada e estava completamente desnorteada.

Ela teve um corte na testa que sangrava e a tela do seu celular estava quebrada.

Ela teve algumas lembranças do que ocorreu no bar. Finalmente ela se deu conta de que foi vítima de violência sexual.

Ela foi corajosa em denunciar o crime. Podemos ter uma ideia de como crimes sexuais são investigados pela polícia londrina quando as investigadoras são mulheres e se colocam no lugar da vítima.

Em conjunto com Terry e seu melhor amigo gay chamado Kwame, ela tenta reconstruir a sua vida e entender o que houve naquela noite no bar.

I may destroy you não é apenas sobre a jornada de Arabella.

Existem homens que retiram o preservativo durante a penetração sem pedir permissão. Nos sites pornográficos é inclusive uma das categorias de busca.

Existem também aqueles que, por terem penetrado o parceiro antes, acreditam que podem fazê-lo depois mesmo que o outro não queira, que esteja sofrendo, chorando por conta do ato.

Já para alguns homens e mulheres, é normal mentir para conseguir fazer sexo. Na série, uma mulher é enganada por dois caras que fingiam não se conhecer só para fazer um ménage à trois com ela.

Há também o caso de um homem que não conta para a mulher que é gay e está transando com ela somente porque foi estuprado por um homem.

Nos quatro casos, a temática do consentimento que está em voga no momento é abordada de forma não tão sutil. Todas as cenas não nos deixam indiferentes e nos fazem refletir.

Outras temáticas além da violência sexual são abordadas como a utilização de redes sociais como o Grindr para poder fazer sexo de forma casual, a rede social como um poderoso instrumento para cancelar o outro, até destruí-lo, mesmo que aquele que cancela não seja exemplar, podendo ser cancelado se também for observado, além da criação de um personagem para agradar o outro em redes sociais.

Traição, álcool, drogas e o corpo negro como mero objeto sexual também estão presentes.

Finalmente, existem outras questões a serem respondidas: O que você faria se descobrisse quem foi o autor do seu estupro? Você gostaria que ele fosse punido? Ele deveria ser punido por você ou a Justiça se encarregaria ? De qual maneira? Por quanto tempo?

Não precisa me responder, mas reflita porque todos podemos ser vítimas de abuso em algum momento, infelizmente.

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