Homens Justos, Mulheres Livres

Para Sophia e Lucas Tadeu

“Amar é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca”.  (Clarice Lispector)

Homens feministas são minoria. Machismo, indiferença, cegueira, desprezo, misoginia, medo de trair a sua ordem de gênero podem explicar a falta de adesão masculina ao feminismo.  Um homem que se diz feminista se expõe à hostilidade dos homens e à incredulidade das mulheres. É muitas vezes chamado por mulheres feministas de ‘esquerdo-macho’ ou coisas assim.  Não é de se estranhar. Milênios de patriarcado, feminicídios, violência doméstica, estupro, não se apagam com frases bonitinhas.

O fato é que nem todo homem é machista, embora a maioria o seja. Nem toda mulher é feminista.  O feminismo não é um discurso de uma mulher que fala a partir de sua tradição, mas um pensamento crítico, defendido por mulheres e homens contra um sistema que, há séculos, aliena e oprime as mulheres.  

Homens feministas são raros. Mas eles existem. Alguns lutam contra o patriarcado que também os oprime, enquanto muitos se sentem confortáveis dentro dele.  A verdadeira linha de corte não opõe mulheres a homens, mas machistas e anti-machistas, em torno do engajamento. Essa linha estabelece uma separação entre, de um lado, pensadores, juristas, médicos, militantes dos dois sexos em do outro, um bom número de homens e mulheres hostis e uma massa de cidadãos indiferentes, favoráveis à manutenção da ordem patriarcal estabelecida.

Quais as razões que levam um homem a se tornar anti-machista e a defender os direitos das mulheres?

Ivan Jablonka no seu livro Homens Justos: do patriarcado às novas masculinidades (2021) aponta quatro motivos que levam homens ao anti-machismo e à defesa do feminismo. 

Em primeiro lugar, por laços afetivos. Homens mantém relações com mulheres. Homens amam suas mães, suas irmãs, suas namoradas, suas noivas, suas esposas, suas filhas, suas amigas. Esse laço afetivo os coloca na posição de defenderem a igualdade de gênero. O amor, em suas múltiplas faces (românticas, familiares, profissionais, religiosas) tem a potência de suscitar num homem o engajamento à causa feminista. 

Porém, sabemos que há homens que por conta de múltiplos fatores não receberam amor, como disse Winnicott, ‘suficientemente bom’ e, por isso, muitas vezes encontram dificuldades em amar.

A dificuldade dos homens em amar foi apontada no livro, Tudo sobre amor, de Bell Hooks.  Hooks emprestou definição de amor dada pelo psiquiatra M. Scoot Peck: “O amor é o que o amor faz. Amar é um ato da vontade — isto é, tanto uma intenção quanto uma ação. A vontade também implica escolha. Nós não temos que amar. Escolhemos amar”

Amor não é um sentimento passivo, mas sim uma ação. Além desta definição, Hooks também traz em sua obra quais seriam as dimensões do amor: “Para amar verdadeiramente, devemos aprender a misturar vários ingredientes — carinho, afeição, reconhecimento, respeito, compromisso e confiança, assim honestidade e comunicação aberta.”

Para Hooks, homens são pessoas que aprenderam a não amar as mulheres. Afinal, toda e qualquer relação entre homens e mulheres na sociedade patriarcal está permeada pelo abuso ou pela negligência. E, como sabiamente aponta Hooks: “onde há abuso ou negligência, não pode haver amor.”

A segunda razão apontada por Jablonka é a empatia identificatória, ativada pelos neurônios espelhos no sistema nervoso central, graças aos quais somos capazes de sentir as emoções do outro como se nós mesmo as tivéssemos experimentado.

A empatia é profundamente e amplamente estudada pelo etólogo Frans de Waal em sua obra: A Era da Empatia. Waal, estudando cuidadosamente o comportamento dos primatas superiores, fala sobre a ressonância neuronal

A identificação, conforme Waal, é o gancho que nos atrai e nos faz assumir a situação, as emoções e o comportamento daqueles de quem somos próximos. Logo, a empatia não é voluntária, ela é inconsciente e se pauta pelo caráter fortemente emocional dos mamíferos, que têm o cérebro límbico mais desenvolvido.

Jablonka enuncia que o terceiro motivo que pode levar um homem a defender a causa feminista é a luta contra a opressão social. As revoluções sociais: abolicionistas, socialistas e feministas são convergentes. Referindo-se a Engels em A origem da família, da propriedade privada e do Estado (1884), o autor expõe que a servidão doméstica das mulheres deriva da propriedade privada. Sendo assim, a derrocada do capitalismo e a abolição da propriedade privada emanciparia o proletariado masculino e feminino.

O quarto aspecto tratado por Jablonka é o respeito aos direitos humanos. Mutilar mulheres, condená-las à ignorância, sujeitá-las a um casamento tóxico, privá-las do desejo é injusto e imoral. O feminismo é uma ética. Os direitos das mulheres, como todos os direitos humanos, participam da invenção de uma sociedade democrática. Só merecem o título de civilizados, os homens que se engajam a favor dos direitos das mulheres. A despeito das reações, cabe a um homem confrontar práticas machistas

Tornar-me pai de um homem e de uma mulher foi o grande acontecimento da minha vida. Espero viver muitos anos ao lado deles. Que nossos filhos possam ser homens justos, e nossas filhas, mulheres livres.

 

Referências

HOOKS, Bell. Tudo Sobre o Amor: novas perspectivas. São Paulo: Editora Elefante, 2021.

JABLONKA, Ivan. Homens Justos: do patriarcado às novas masculinidades. São Paulo: Todavia, 2021.

WAAL, Frans de. Era da Empatia: lições da natureza para uma era mais gentil. São Paulo: Cia das Letras, 2016.

 

Imagem de capa por Gaudilab retirada de Envato

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