A quem devemos agradecer por nossos sucessos? Devemos agradecer, mesmo sob a pressão do fracasso?
A gratidão está na fórmula do Pai Nosso, oração considerada universal, mas de fato, universal entre os cristãos, não no mundo todo. Como tudo no cristianismo, a prece copia um famoso preceito filosófico da antiguidade: “assim na Terra como no Céu”. Essa sentença simples define toda uma cosmovisão que vem da antiguidade, atravessa a Idade Média até o século XVII: o homem é reflexo do universo. Por isso a Astrologia, a crença na alma, em Deus, na redenção do pecado: nós seríamos o reflexo do universo que nos sonda. Ao analisar a mão humana, vemos o Monte de Vênus, e podemos relacionar aquela seção anatômica do corpo humano com um planeta, porque dividimos com astro a mesma essência. O homem é síntese. No espermatozoide humano, observado nos primeiros microscópios, está o homúnculo, um ser minúsculo que entraria no óvulo, se nutriria dele e se transformaria em toda a sua potência, durante a vida sobre o planeta.
Assim também, os deuses, santos, anjos e espíritos também se refletiriam em nós, apesar de nossa decadência carnal, somos reflexo do universo e por isso, devemos agradecer. O “segredo” de tudo não é agradecer, de acordo com o livro de Rhonda Byrne? Agradecer daria certo porque nos “harmonizaria” com a eternidade que se reflete em nós.
No entanto, nada disso passa de suposição mística e filosófica. Não há relação causal nenhuma entre o universo e nós além do que a Física já nos disse, não há tampouco qualquer prova de que sejamos o reflexo do universo. Ao contrário. O universo nos prova o quanto somos nada perante uma imensidão sem fim. Quando agradecemos a deuses ou entidades diversas por uma bênção, o agradecimento cai no vazio do factível nada. Bênçãos são produto de duas possíveis causas: a sorte do acaso ou ainda a ação concreta de seres humanos ao nosso redor.
Mas nem sempre temos olhos abertos a isso, veja-se por exemplo a clássica gafe de se agradecer a deus por uma cura e não ao médico que a realizou (quando isso acontece assim). A concepção de que nós, seres humanos, somos oriundos de uma raça celeste ainda persiste, mesmo depois que os saberes científicos nos tornaram homens modernos, de carne, ossos, sangue, células. Nenhuma alma sobrevive à morte cerebral, nenhum espírito que retorna é fidedigno o suficiente para convencer do além morte, todos afirmam uma realidade supra-humana que se parece com a vida na Terra, ora mais trágica, ora mais utópica. Assim como na Terra, vive-se temendo o castigo a queda, e para evitar isso tudo, temos que ter gratidão.
De fato, devemos ter gratidão uns aos outros. Aos que vivem, aos que trabalham, aos que de fato concretizam coisas que nos ajudam.
Qualquer gratidão que passe disso, conduz a humanidade à subserviência e ao medo de descobrir que as coisas são assim no Céu como na Terra.
Imagem da capa: Palmistry Hand, esboço do próprio autor.
Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos