Semana passada, eu comecei uma discussão sobre as gerações de nossa época, baseada nas teorias de Strauss e Howe, de 1991. Essa teoria nos divide, a todos, em gerações, baseadas na época em que vivemos. O estudo que criou esse limiar de gerações é histórico e sociológico. Isso separa essas gerações a partir de momentos que coincidem com o desenvolvimento histórico e social da humanidade no século XX. Mas da humanidade, mesmo? O que entendemos como humanidade?
Vamos nos aperceber da realidade: o estudo de Strauss e Howe objetiva mostrar ciclos de gerações da sociedade norte-americana anglófona, da europa ocidental. Eles mesmos chamam de “sociedade ocidental” a esse grupo. Esse entendimento, automaticamente exclui a periferia do mundo ocidental e pode não ser igualmente aplicável a grupos como América Latina, África e Ásia.
Boa parte da teoria tem sido aplicada de maneira livre às sociedades latino-americanas. Aqui, no Brasil, há uma identificação imediata da classe média com esse tipo de teoria. As gerações de Strauss e Howe parecem ser o novo zodíaco de uma época.
É importante lembrar-se de que se trata de uma abordagem científica séria e coberta por farta literatura. O problema é exatamente usar esse tipo de estudo como estrato de estudos posteriores. Será que são aplicáveis a todos e qualquer recorte de cultura humana?
Vamos tomar como exemplo as distorções causadas pelo abuso científico e acadêmico das teorias psicanalíticas e marxistas no século passado. Por um momento, só por ser pensamento europeu ou de cunho europeizante, uma teoria já se nos parecia certa.
Imagem de 👀 Mabel Amber, who will one day por Pixabay
As principais críticas ao marxismo e psicanálise também apontavam para isso. Ou seja: nem sempre algo que nasce dentro de uma universidade europeia tem que ser aplicável a toda humanidade. E nem é papel do europeu olhar para o mundo que o cerca e “descobri-lo”. Já não vivemos mais nos séculos XV e XVI. O desenvolvimento científico europeu e norte-americano não é a única origem da ciência no mundo.
O que sabemos, é que em determinado ponto da história mundial, houve um acúmulo de capital em mãos europeias. Isso levou a um surto de desenvolvimento. Tal coisa, no entanto, aconteceu às custas da riqueza de outras regiões do mundo. Esses lugares se tornaram mais atrasados exatamente porque seus recursos foram sequestrados por europeus.
Então, quando olhamos para a teoria de gerações de Strauss e Howe e fazemos uma leitura prática delas, será que estamos certos? Meus estudantes, por exemplo, são considerados “nativos digitais”. No entanto, sua relação com a informação é muito problemática. Eles conseguem, sem muito esforço, manter-se desinformados e desatualizados de coisas importantes o tempo todo.
Leciono para crianças e adolescentes de escola pública. Nem todos os estudantes da mesma idade e da mesma classe social tem acesso igual à informação. Menos ainda à internet e dispositivos de acesso. Na verdade, isso varia tanto, que é impossível entender a Geração Z com a qual tenho contato por esses critérios.
Na verdade, a Geração Z que eu conheço se caracteriza pelo acirramento cruel de diferenças sociais. Os mais ricos estão mergulhados num mundo digital. Eles têm acesso a bens materiais e simbólicos que os mais pobres não têm. Até aqui, nenhuma novidade. O interessante é que um celular mais caro ou mais barato promovem acesso imediato à circulação dos bens em sociedade. Isso é interessante até certo ponto.
desigualdade social cria uma Geração Z que se alimenta da própria geração. Eles produzem em consomem conteúdo cultural deles mesmos, circulando em meio digital. Os mais pobres sonham em ser os mais ricos e entendem que, para isso, precisam ter acesso à rede e os mesmos meiso de produzir conteúdo digital.
Percebemos que a maioria tem dificuldade de entender que, atrás de um perfil verificado ou de um influencer de milhões de seguidores, há muito recurso financeiro envolvido. Na verdade, nossos jovens continuam se alienando, como funcionários de fábrica no século XIX, achando que o segredo para ser patrão é trabalhar duro. Na verdade, isso pode até se concretizar para uns e outros, mas não para todos. não é um acesso livre, aberto a quem quer que queira.
Por causa disso, qualquer geração que esteja no fim dessa lista que Strauss e Howe começaram, não pode estar certa. As sociedades na periferia do capitalismo não têm a horizontalidade necessária para que possamos generalizar. Um garoto de 15 anos que nasce numa família milionária tem privilégios que uma criança de escola pública não tem. E no Brasil, isso significa que os mais pobres não nascem digitais. E quando podem se tornar, apresentarão um padrão de consumo de bens simbólicos diferente. Ser da Geração Z depende, também, de recursos materiais.
O acesso ao mundo digital, por parte do Millenials, geração anterior à Z, também é igualmente problemático. Ns periferias da Europa e dos Estados Unidos, ser pobre pode fazer com que pessoas sejam excluídas de um mundo de informação e entretenimento baseado no contato social mediado por tecnologias.
Portanto, uma teoria que explica só os mais ricos tende a virar uma psicanálise freudiana no início do século. Tende a virar o marxismo do século XIX: aplicável a uma civilização, a um grupo de culturas que se unia por dar a determinadas classes sociais o mesmo acesso ao simbólico e ao material. O corte geracional é histórico, temporal, aqui, na nossa cultura, ele produz efeitos diferentes em estratos diferentes da sociedade. A nossa grande massa populacional não é exatamente formada por pessoas de mesmo poder aquisitivo que na Europa e nos Estados Unidos.
Temos que ter um olhar nosso para as gerações. O uso da terminologia atual é inevitável: está no nosso vocabulário, nos memes. “Millenial é cringe”. “Geração Z tem medo de carteira de trabalho”. Na verdade, o que nos une a essas gerações é um corte temporal. Mais que acesso a bens simbólicos. Porque, mesmo que insistamos que a Geração Z do Norte e do Sul têm acesso a Internet pelos mesmos meios e aplicativos, fica uma pergunta. Pobres e ricos consomem do mesmo jeito os mesmos produtos? Usam do mesmo jeito os mesmos aplicativos? Eles têm os mesmos padrões de sucesso e lucro?
Pensemos.
Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos
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