Férias

Sou professor há 19 anos, na rede estadual de educação de Goiás. Entrei muito cedo nessa carreira, um ano depois de me formar. Por isso, o mês de julho, para mim, é sinônimo de férias. Antes da carreria como professor, eu havia tirado férias em julho como estudante, a vida inteira, inclusive na faculdade, porque eu ainda estudei num curso superior que usava ano e não semestre letivo. Então, todo mês de julho, 30 dias de férias. É um período interessante aqui.

Em anos de “La Niña”, julho é um mês frio e seco, ventoso na sua última quinzena. Nas regiões originalmente cobertas de cerrado, significa que o vento, o sol e a poeira dominam tudo. No entanto, essa coisa de frio é muito relativa. Estamos falando do Planalto Central do Brasil, que registra, num intervalo de sete horas, temperaturas muito diferentes, com a diferença de vinte graus, até, entre a maior e a menor. Isso é um clima extremo, com frio e calor em poucas horas do dia, além da falta de umidade. Julho, no entanto, é um mês maravilhoso para se sair de casa, viajar pelo estado, aproveitar o sol (com moderação) 0u até mesmo se aventurar nas praias do Rio Araguaia, lotadas na alta temporada.

Mas eu nunca gostei de água, rio, mar, praia etc. Férias sempre foram uma pausa necessária. Às vezes tediosa, às vezes cansativa, porque a falta de grandes recursos que tornavam possível viajar, durante minha infância, tornou-me num adulto caseiro. Odeio viagens, rodoviárias, aeroportos, hotéis, casas alheias, odeio dormir fora do meu quarto, longe do meu colchão.

Isso é facilitado pelo meu perfil de poucos amigos. Pouca gente para agradar também significa pouca gente querendo visita durante férias e outras pausas. Durante as minhas férias eu me exercito no difícil trajeto dos corredores da minha casa, o duro itinerário entre camas, sofás, banheiros, mesas e cadeiras. Eu nem tento muito manter rotinas, nem mesmo as de exercícios físicos, porque eu sei que toda a tensão de quase seis meses de trabalho de repente se vão. O corpo pede quietude.

Então eu acordo tarde todo dia, leio, vejo televisão, mas sem metas. Sem obrigações. Eu só quero curtir a pausa. Semana que vem, a essa hora, estarei trabalhando. O meu corpo, porque eu descansei de verdade, está mais que pronto. Chego a ficar ansioso para me ver de novo na frente de meus estudantes, ou acordando antes das seis para me aprontar para o trabalho.

Estou bem? Sim. Ótimo. Obrigado por pensar nessa pergunta. Mas algo me incomoda. Estar de férias é uma forma muito grande de me desnudar para mim mesmo. Todos ao meu redor fazem programas de férias que eu evito. O que eu não abomino horrorosamente, eu evito porque eu não gosto. Odeio viajar. Odeio sair à noite com frequência. Odeio acampar. Odeio água. Odeio mosquitos, odeio passar dias na fazenda. Nunca quis viajar no exterior. Minha renda é pequena, mas permite que eu compre um pacote de viagens daqueles que se pagam em prestações. Mas eu não quero viajar, não quero conhecer pessoalmente nenhum lugar nesse momento. Nem enriquecer minhas vivências com contato direto com outras culturas. Nem mesmo ostentar passaportes carimbados.

Nem passaaporte eu tenho.

Na verdade, eu quero dizer que não acredito no poder que viajar possa ter de melhorar as pessoas. Todos nós conhecemos alguém super viajado que é uma pessoa de valores e vida questionáveis. Não é verdade? O sentido de se viajar é ter prazer em coisas que se fazem. Então não há porque eu fazer algo que não me dá prazer, gastar recursos que eu custo a ganhar só para me sentir mais normal, mais parecido com as pessoas.

Vez ou outra meu comportamento vira motivo de discussão na sala da casa onde moro. Outrossim, já me sugeriram buscar ajuda psicológica para entender porque eu sou desse jeito. Como se o ato de não viajar, por exemplo, fosse uma espécie de adoecimento. Mas não condeno tanto quem pensa assim sobre mim. Os comportamentos socialmente aprendidos é que nos tornam normais. Se alguém não corresponde, as pessoas questionam. Talvez por minha própria experiência de vida, eu me demore mais a fazer isso.

Mas, ainda assim, percebo que minhas férias incomodam mesmo aqueles que me conhecem desde sempre. Todos ainda esperando o dia em que eu resolverei sair, viajar, divertir-me, procurar uma turma. Ser LGBTQIAP+ e não seguir certos padrões de consumo ou divertimento também incomoda algumas pessoas. Para piorar tudo, todas as pessoas como eu, que têm um perfil parecido, geralmente são destaque em alguma coisa que fazem: artistas, escritores, músicos, sei lá. Eu sou um profesor de escola pública. Sei meu valor, mas o que eu faço não parece me colocar num patamar de esquisito útil que muitos colocam sobre outras pessoas.

Mas isso é o que pensam sobre mim, o que já me disseram. O que eu penso sobre mim é que está tudo bem. As férias terminam no domingo e logo outro semestre rápido e intenso também acabará em outro período de recesso em que eu poderei exercitar minha misantropia: as festas de final de ano que também detesto. Mas isso fica para outro texto.

Por Alex Mendes

para sua coluna O Poder Que Queremos

Imagem da capa de Peter H por Pixabay

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