Hoje é o Dia Nacional da Visibilidade Trans e não poderíamos deixar passar em branco esta importante data, lembrando que todas as pessoas trans merecem respeito e oportunidades de se expressar livremente! Assim, vamos celebrar em grande estilo com o texto maravilhoso de nosso amigo Luiz Fernando Prado Uchôa:
Despertar…
Numa certa tarde, que aparentemente seria como qualquer outra, de repente te avisto num bar em pleno Largo do Arouche. Conversamos inicialmente sobre militância, literatura, conjuntura política e outros assuntos. Subitamente, uma troca de olhares acontece e sinto percorrer em meu corpo um calor súbito e, em dado momento, beijos acalorados ocorrem.
Ao sentir suas mãos me desbravando e o ecoar de sua voz em meu ouvido, aprecio o ambiente e a cerveja gelada sentindo uma felicidade extrema por sentir que aquele encontro nos modificaria e, em seu decorrer, senti um estado de plenitude por não necessitar explanar sobre a minha transmasculinidade contigo. Tê-lo diante de mim compartilhando particularidades cotidianas foi mágico.
Em nossa despedida o seu abraço e suas mãos macias me tomaram e um sentimento avassalador me invadiu. Absorvi o que pude para recordar daquele momento nas noites solitárias e vazias, nas quais estou imerso em grande parte do tempo.
Quando conversamos pelo Whatsapp sobre minha produção textual, minhas aflições, desejos secretos, eventos e contextos político-sociais estou numa relação na qual posso ser quem sou e sentir aquele sentimento de saudade sem a necessidade de ter vinculo monogâmico.
A partir dos meus 15 anos meu cotidiano é repleto de atribuições profissionais, acadêmicas e sociais e isso me realiza como individuo. Porém, há o vazio chamado solidão compulsória por ser alguém com identidade de gênero e orientação sexual-afetiva encaradas como dissidentes.
Diante deste cenário solitário e de extremo vazio sem a sua presença, tive alguns encontros virtuais com outros homens. Até me satisfiz sexualmente por breves momentos. Logo, vieram a decepções devido à insensibilidade ou instabilidade psicológica destes sujeitos.
Encarar a realidade de ser HOMEM TRANS GAY e lidar com a transfobia e homofobia no meio LGBTI e cisgênero heterossexual e com isso, as possibilidades de ter uma relação mais profunda, intensa e sem nenhum tipo de amarras é um panorama impensável.
Este estado de profunda solidão me faz questionar se realmente mereço viver esse tal AMOR. Ao ouvir sua voz, meu corpo arde em brasas clamando por VOCÊ e o medo de parecer piegas me invade.
Para afastar esses pensamentos com relação a VOCÊ e também satisfazer meus instintos criei contas em aplicativos de relacionamento e até me divirto nas conversas virtuais. Mas este ambiente é extremamente falocêntrico e ao revelar minha real identidade de gênero há a recusa em prosseguir o diálogo e a sensação de rejeição me invade.
Compreendo que nem todos têm a obrigação de se relacionar sexualmente ou sentimentalmente com um homem trans. Todavia, muitos conceitos precisam ser revistos na dita comunidade GAY.
Em mesas de bares apreciando diferentes bebidas, reflito se a existência de guetos favorece a proliferação de estereótipos, prisões, de abismos, de relações condicionadas a bens materiais e a prazeres fugazes.A armadilha é posta em minhas reflexões ao percorrer bares, baladas, festas deslocadas e espaços LGBTI em avistar seres frios, vazios, superficiais presos em relações tóxicas que muitas vezes servem para aplacar a solidão.
Me perco em tantas divagações sobre meu processo de afirmação identitária, sexual e amorosa. Na maior parte do tempo, questiono como se dá a estruturação das relações e, logo, surgem algumas respostas para esta questão e nisso, percebo as padronizações estética, comportamental, intelectual presentes nestes vínculos para se almejar aceitação social nos ditos guetos.
São tantas subjetivações.
São tantas teorias.
São tantas práticas.
São tantas sensações.
E com isso, as palavras se tornam turvas, nossos encontros sempre apontam para despedidas e os reencontros nunca ocorrem na medida em que meu ser necessita do teu.
Luiz Fernando Prado Uchôa
Jornalista, professor de inglês e espanhol, graduando em Filosofia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da rede família Stronger
Uma resposta
Incrível a lucidez ao descrever o processo de encontro afetivo e a ausência de liberdade para se apaixonar pela essência aliada a corpos que pode ou não ser acessados de forma tradicional. Infelizmente o conceito de corpos perfeitos e pautados na materialidade impede que se vivencie experiência afetivas e completas. Parabéns pela narativa
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