DE VOLTA À LAGOA AZUL: Por que é tão difícil falar sobre sexo?

Uma das forças mais intensas que experimentamos no início da vida é a descoberta do prazer sexual. E com ele, a construção silenciosa de um segredo que, muitas vezes, carregamos por anos.

Ele era um garoto entrando na puberdade. Os amigos falavam de punheta com curiosidade e euforia, e algo naqueles relatos acendeu nele uma vontade de entender o que era aquilo que todos pareciam comentar — mas quase ninguém explicava de verdade.

Foi no banho. A água morna escorria pelo corpo e caía sobre a glande do seu pênis, provocando uma cosquinha gostosa — foi assim que nomeou. Logo, o membro estava ereto, pulsando. Não havia imagens, não havia fantasias: era pura sensação. Eros, cru e denso, o atravessava.

Com os dedos, começou a explorar. Pressionava o prepúcio, num vai e vem hesitante. Um formigamento surgiu na base da espinha. Cresceu. Explodiu em gozo. Seu corpo inteiro tremia. Um prazer sem nome o havia tomado. Naquele instante, mesmo sem entender, soube que seu corpo também fora feito para sentir prazer.

Guardou aquela experiência em silêncio. Era íntima demais, poderosa demais. Por muito tempo, se perguntava se os outros também haviam sentido aquilo. Se era por ser tão bom que ninguém falava a respeito. Talvez todos quisessem proteger aquele segredo. Talvez todos pensassem ser os únicos a possuí-lo.

Mais tarde, descobriu que não era o único. Aquilo que parecia exclusivo era, na verdade, comum. Alguns se ressentiam por nunca mais terem sentido o mesmo. Outros, exageravam, disfarçando o incômodo. Mas ninguém, de fato, falava.


O silêncio das palavras contrastava com o grito dos corpos. Uma incongruência brutal. Teriam matado nossa capacidade de falar sobre sexo?


Não só mataram — continuam matando. A repressão moral faz isso. Delegamos à natureza o papel de administrar nossos desejos, como se ela, essa entidade abstrata e idealizada, fosse capaz de canalizar o que é pura potência: o sexo. Mas não é. Acreditamos que a natureza desenhou os homens como sujeitos desejantes e as mulheres como objetos de desejo. Nada disso é real.

Quando empurramos o sexo para a margem, criamos uma ilha ao nosso redor — e, mais cedo ou mais tarde, ela nos alaga. Por dentro e por fora. A educação sexual que aprendemos a aprender nunca lidou com os afetos. O positivismo científico do século XIX ainda paira sobre nós. Se não fossem as histéricas de Freud, talvez ainda tratássemos os desejos do corpo como simples engrenagens mecânicas.


Essa metáfora da natureza como um grande relógio aparece também na maneira como encaramos o sexo: como uma função. Isso atrapalha — e muito. Especialmente os nossos amigos heterossexuais, muitas vezes presos à ideia de que sua sexualidade existe apenas para a reprodução, e que o prazer é um bônus, um intervalo entre um bebê e outro.


Por que temos vergonha de falar sobre prazer, gozo, sensações, fantasias? Por que empurramos esses temas para as ruas, para as piadas de bar, para os becos e palavrões? Isso não revela, justamente, o quanto não aprendemos a lidar com o sexo?


Na verdade, aprendemos a negar. E talvez ainda estejamos presos nessa longa lição de negação. Mas se ela acabar — se enfim nos libertarmos dela — poderemos, quem sabe, abraçar essa força que nos atravessa.


O maior mito que contamos sobre o sexo é o da Lagoa Azul — sim, aquele filme da Sessão da Tarde. Acreditamos que nossos afetos e corpos florescerão naturalmente, em algum paraíso perdido, enquanto vivemos com nossa parceria perfeita, única e eterna.


E o resultado disso? Inúmeras queixas sexuais inundam os consultórios de médicos e terapeutas, em busca de soluções rápidas que, em sua maioria, não existem. O que essas pessoas descobrem nas travessias terapêuticas é que sexo é investimento, é aprendizado dos afetos, é sensibilidade, é fantasia. É apropriação do corpo e do prazer. Muitas vezes, falar sobre sexo é, paradoxalmente, falar de algo que não é sexual.


Pais têm dificuldade de abordar o tema com os filhos. Muitos se chocam com gravidezes precoces, vícios em pornografia, infecções sexualmente transmissíveis ou com as orientações sexuais de seus filhos — mas esquecem de que tudo isso ocupa o vazio deixado por silêncios e ausências. Surpreende?


Talvez o espanto, nesse caso, seja um sintoma. Um sintoma latente. Ele revela aquilo que deixamos de tocar na via crucis do sexo.


E o que esse sintoma nos diz?
Talvez diga que nossa maior ilusão foi acreditar que poderíamos controlar o desejo — esse inquilino selvagem que escapa, sempre, pelas frestas da casa que achamos possuir.

Foto de lil artsy

Respostas de 2

  1. Maravilhoso seu texto poético, tocante em um lugar que relutamos em encarar e agregar em nós mesmos.

    1. Minha querida irmã, seus comentário são sempre muito bem vindos. Me sinto honrado de poder receber seus feedbacks e leituras. Sim, antes de falarmos sobre o sexo precisamos também discutir os incomodos sobre ele.

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