CONTO: O presidente burro.

Calma. Isso é uma obra de ficção. Eu resolvi escrever um conto. É uma pequena narrativa que tenta trazer um frescor para a coluna. Pois é um texto literário. Pode narrar fatos, porém sem compromisso com a verdade. Resolvi abrir a porteira para pequenos contos e crônicas. A literatura, portanto, há de servir para discutir coisas sérias. Porque poder, política, sociedade, tudo está na literatura. Basta olhar com cuidado. Leia e aprecie!

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João nasceu no dia em que Brasília foi inaugurada. Teria sido um momento feliz, mas seu pai não percebeu que sua mãe estava com dores de dar a luz. Seu irmão mais velho é que foi chamar a vizinha, parteira. Portanto, em pleno ano de 1960, na capital de Minas Gerais, João nasceu em casa. Porque o pai estava bêbado demais para levar a mulher ao hospital. O que de fato aconteceu dias depois. Mas não pelas mãos do pai de João, que morrera instantes depois. Caiu bêbado da escada que levava ao portão. Morreu porque queria ir ao bar comprar mais bebida. Mas João não viu isso tudo, demorou uns dois dias para abrir os olhos. Sua mãe, mesmo sob forte estresse do parto e da morte do marido, continuou firme e o amamentou, cuidou dele com carinho.

Não á para contar a história de João sem contar a história de seu pai. José Silva Pinto era correligionário e companheiro de Juscelino Kubitschek. Andavam juntos na campanha pela presidência do Brasil, quando a merda aconteceu. Vou falar mesmo que foi uma merda, pois não há outro nome. José Silva Pinto, o Silva Pinto, como era chamado, era um dos mais empolgados com tudo. Mas inteligência nunca fora seu forte. Sua presença no meio político sempre fora uma coincidência infeliz. Havia entrado por influência de um amigo de seu pai, trabalhava na sede do partido porque o chefe de sua sessão no governo do estado assim permitira. Dessa forma, foi fazendo amigos.

Um dia, com a ajuda de um dos idiotas que todo partido político tem aos montes, após o famoso comício em Jataí, Goiás, no qual Juscelino prometera a construção da capital, ele teve uma ideia genial. Ligou para todos os jornais espalhando a notícia de que a nova capital seria construída no Planalto Central. O nome da cidade seria Juscelândia, pois Juscelino a fundaria. Essa história foi espalhada e depois confirmada por vários noticiários da época. Pensa na dor de cabeça que isso provocou em Juscelino? E na sua coordenação de campanha?

Para piorar, o tonto do Silva Pinto ainda revelara aos jornais supostos detalhes do plano de construção, que incluía, além do nome pitoresco, a novidade que o país se endividaria com o Fundo Monetário Internacional para erguer uma cidade faraônica no meio do nada. Resultado. A maior saia justa que um candidato passou numa eleição. Mas, assim, com muito esforço, depois de inventarem que Silva Pinto era um louco, desmentiram tudo a tempo. Quer dizer. parte da história. Juscelino conseguiu se eleger, Brasília foi construída. E no dia da inauguração, Silva Pinto morre, caindo bêbado da escada.

Mas antes disso, nomeia seu filho João e profetiza sobre ele: “Você ainda há de ser presidente, meu filho. Há de desfazer todas as bobagens que Juscelino está fazendo, há de destruir toda essa baboseira que ele está construindo”. De fato, isso deu muito certo. João, a criança mais burra que as melhores escolas de Belo Horizonte conheceram, tornou-se presidente da república. Mas antes disso, sua mãe se casou com um policial quando João ainda era bebê, que o criou aos puxões de orelhas e tapas, por causa de mil problemas na escola. Retardado, teimoso, uma mula, incrivelmente passava de ano, colando ou se esforçando. Mas era famoso por suas ideias ridículas.

Apesar de turrão, passou no concurso e fez academia de polícia, depois de terminar o segundo grau. Virou cabo da polícia. Mas sempre era colocado em funções secundárias, por causa de seu potencial de causar confusão. Um dia, trabalhando num caso em conjunto com a polícia civil, ele descobriu que um suspeito de crime de roubos de carros era exatamente o dono da oficina que prestava serviço para a polícia, consertando as viaturas. Num dia em que várias viaturas estavam de manutenção, ele teve a ideia maravilhosa de plantar uma bomba numa delas e denunciar o dono, o que facilitaria o trabalho de investigação. Um crime levaria ao outro. Detalhe: a bomba estourou dentro da oficina com João lá dentro, à noite. Ele entrara escondido e estava plantando a bomba. Assim que terminou, ao tentar pular o muro para a rua, ouviu um estrondo que o arremessou ao chão.

Pego em flagrante, foi preso, julgado e solto, sob a alegação de insanidade mental. Aposentado pela polícia, incapaz de exercer uma profissão que exigisse responsabilidade sobre si e os outros, encontrou espaço na política. Isso mesmo. De tanto ouvir histórias do pai, de como fora incompreendido por Juscelino, resolveu procurar um partido. Logo se lançou como candidato a vereador. Ganhou na primeira eleição, fazendo uma campanha à moda norte-americana: conservadora e burra, num momento em que o país vivia o fim de uma ditadura militar e a liberdade assustava os mais velhos.

Daí à presidência foi um pulo. Mais de trinta anos como vereador e deputado, sem apresentar um projeto sequer. Três esposas, quatro filhos, um histórico de conflitos com colegas de câmaras e assembleia. O pior, no entanto, era o modo como João defendia valores conservadores e tinha ideias anacrônicas, como a volta da ditadura. Ou a demissão de mulheres grávidas para cuidarem melhor de seus filhos. Ou ainda a prisão e tratamento psiquiátrico de gays, lésbicas e pessoas trans. Isso era comum de se ouvir nos seus pronunciamentos. Seus filhos grandes seguiram seu caminho e tornaram-se políticos, começando como assessores dele e de amigos parlamentares. Quando João chegou à presidência, os três também estavam eleitos, em postos de poder.

Mas como ele foi eleito? O país vivia uma crise de identidade social e histórica. Os primeiros trinta anos depois da ditadura foram marcados por idas e vindas. Mas também por mudanças muito importantes e um certo crescimento econômico. Uma onda direitista que varreu o mundo europeu e norte-americano chegou por aqui na esteira da cobiça dos grandes empresários. Para eles, lucrar mais seria possível caso os governos aumentassem a pobreza e a dependência da geração de empregos por empresas de fora. Deu certo. João era a pessoa correta, porque seu direitismo xucro parecia essencial na instalação de reformas na legislação para facilitar as atividades econômicas dos empresários. Mas o tiro saiu pela culatra.

Tudo aconteceu muito rápido. Muita gente não acreditou que aquele asno, sem nome, família, chegaria ao poder. Mas a vida dá seus pulos. Na Internet ele era um sucesso, porque fora adotado por adolescentes e crianças que falavam dele o tempo todo. Deus lá sabe como isso aconteceu. Mas deu certo. Ele venceu a eleição. Fez o pior de todos os governos durante um ano todo e quando seus críticos começavam a amenizar as coisas, o Apocalipse começou. Uma pandemia assolou o mundo e o país.

Foi quando ele teve uma de suas ideias mirabolantes. Negar tudo, como fazia o presidente dos Estados Unidos. Não comprou remédios e equipamentos para hospitais e nem vacinas quando elas começaram a ser vendidas. No entanto, ele não foi deposto ou saiu do cargo. Seu mandato acabaria em dezembro do terceiro ano da pandemia no país. Isso quando a maioria dos países do mundo já estavam vivendo em relativa normalidade. João da Silva Pinto ficaria conhecido como um péssimo presidente, o pior da história. Mas nem tudo acontece sob uma lógica.

A situação do país era tão ruim que ele foi eleito novamente, por sua legião de seguidores que achavam que a pandemia era uma praga de Deus para deixar somente os eleitos sob a Terra. Com um Congresso enlouquecido por deputados e senadores extremistas, as coisas pioraram. A primeira coisa que ele conseguiu foi importar uma bomba atômica da Coreia do Norte. O míssil chegara ao porto de Santos e fora para Brasília num cargueiro aéreo produzido somente para ele. Lá, a mania de grandeza do João Silva Pinto mandou instalá-lo ao ar livre, na Praça dos Três Poderes, mesmo que isso tivesse sido criticado até por apoiadores. As pessoas vinham do país inteiro ver a exposição do míssil,.

Para a maior segurança, técnicos desativaram a ogiva. Isso foi necessário, porque o presidente estava sempre em contato com o míssil, tiravam fotos com ele, todo dia ele fazia caminhada em torno do artefato. Sua loucura era tanta que um dia ele resolveu, de fato, mandar religar o míssil. A ideia era mostrar de modo ilustrativo que o míssil funcionava. Ele só queria expor o mecanismo interno com luzinhas piscando. Ele queria mostrar poder. Seu governo, depois de meses, voltava a ser impopular. As nações vizinhas fecharam fronteiras e os Estados Unidos e Europa ameaçavam a América Latina inteira de guerra por causa do Brasil. Mas ele queria a ogiva funcionando. Mandou os técnicos ligarem o troço para ele mostrar na televisão.. Não deu muito certo. O país não tinha muita gente com conhecimento técnico e científico para aquilo.

Os técnicos que desativaram a bomba eram coreanos e voltaram para casa. Os técnicos brasileiros da UnB e USP, fechadas por prisão de professores e alunos rebeldes tinham uma vaga ideia do que havia ali dentro do míssil. Mexe daqui, mexe dali, a ogiva se detonou, mal deu tempo de evacuar a praça, a explosão nuclear derrubou tudo, vaporizou plantas, pessoas, o próprio presidente e sua comitiva. Em segundos, Brasília se tornara um campo arrasado de guerra, semelhante a Hiroshima, Nagasaki ou ao Atol de Moruroa. O legado de Juscelino se acabava ali. A Praça dos Três Poderes era uma cratera feita de vidro. A terra radioativa, porque a bomba contaminara tudo. Da mesma forma o ar. As águas do Lago Paranoá viraram veneno.

A sede dos poderes era um monte de ruínas radioativas. Mas João não pôde ver isso, nem seu pai, José. Os Silva Pinto, marcados pelo ódio a Juscelino, de modo direto ou não. Os Silva Pinto das ideias maravilhosas, mas desastrosas o suficiente para destruir coisas grandes. A profecia se cumpria, então.

Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos

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