Raphaely Bueno |
Pai afaste de mim esse “cale-se!”
Nascia em meados da década de 60 o ritmo musical que seria conhecido até os dias atuais como MPB, a música popular brasileira, surge assim na época de chumbo da recém instaurada Ditadura Militar (1964).
A Bossa Nova era até então o ritmo que predominava, principalmente, as classes médias e altas da sociedade carioca na década de 50. Muito mais intimista e apaziguadora, trazia ramificações de samba, em sua vertente mais sofisticada, e do cool jazz norte-americano.
Com isso a Bossa Nova se opunha ao Rock que começava a ser introduzido no país, com canções leves que falassem de amor, flor e de cenários tipicamente brasileiros como o Rio de Janeiro e “Garota de Ipanema”; Embora, devido as grandes multinacionais e os meios de comunicação se concentrarem no Eixo Rio-São Paulo, obviamente, a face do país era vista predominantemente como Carioca e Paulista, ainda assim, o novo ritmo ganhava status de nacionalista, uma vez que o Brasil era totalmente influenciado e, portanto, consumista dos “enlatados norte-americanos”.
A Bossa Nova tornar-se-á, no eufórico governo de JK, um de nossos movimentos musicais mais importantes e com certa expressão no exterior.
Com a situação política do Brasil se modificando, na primeira metade da década de 60, a ruptura da Bossa Nova dá origem à MPB, a música popular brasileira de protesto. Os adeptos desse novo ritmo consideravam a bossa nova como alienada e americanizada, fazendo parte de uma minoria burguesa. De letras politizadas, que falassem do cenário politico em que viviam do subdesenvolvimento, da exploração do trabalho entre outros assuntos de nossa realidade nacional, a MPB, ganhando espaço na indústria fonográfica, seria nosso movimento revolucionário da época por vezes sendo censurado pela Ditadura Militar.
Dentro desse novo ritmo, nasce o movimento Tropicália, idealizado, principalmente, por Caetano Veloso e Gilberto Gil, dá-se seu início em 1967 com o lançamento das músicas Alegria, Alegria de Caetano e Domingo no Parque de Gil. Tanto, talvez, era a consciência da alienação provocada pelo Governo e salientada pelos meios de comunicação com os enlatados norte-americanos, que produziam uma realidade diferente da vivida por nós, que a esquerda conservadora repudiou o uso da Guitarra Elétrica (símbolo do Rock) nas apresentações de Caetano Veloso e de Gilberto Gil.
Todavia, a letra de Alegria, Alegria agradou o público, sendo hoje considerada pela revista Rolling Stones Brasil como a 10ªmaior canção brasileira de todos os tempos.
Mas o rock também fazia a “cabeça” dos jovens da época, embora reformulado com certa ingenuidade, a Jovem Guarda não falava dos problemas sociais, como o estilo o faria nos EUA, sua “transgressão” estaria marcada mais na customização do que propriamente nas letras.
Com isso, usavam cabelos longos, gírias novas, roupas extravagantes e a “fama de mau” como meios de rebeldia, mas sem esconder totalmente a alienação com os problemas sociais e se acomodando ao estado político. É nesse contexto, que a MPB se impõe à alienação cultural, realizando, inclusive, a marcha contra as guitarras elétricas lideradas por Elis Regina.
Já finalizando a década de 60, quando a ditadura militar entra em sua época mais repressora, os festivais de música realizados pelas emissoras de TV darão fôlego a nova música do Brasil. Elis Regina cantando Arrastão (composição de Vinicius de Moraes e música de Edu Lobo), choca, por assim dizer, com sua interpretação forte e marcante, tão diferente do intimismo realizado pelos cantores bossa-novistas, mas agrada, dando ritmo e cara nova a música popular brasileira.
Muitas canções que falassem contra a ditadura foram feitas, com isso muitos cantores foram exilados e perseguidos, assim como intelectuais, escritores, cientistas e outros. Muitas letras de músicas foram censuradas e não puderam veicular.
A música que mais fala a mim sobre este tema é Cálice, composição de Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973 para o Show Phono 73, da gravadora Phonogram, atualmente Universal. Segundo Gil, a música foi apresentada à censura onde foram recomendados a não cantá-la, por isso, na apresentação seus microfones foram cortados; A canção só foi lançada em 1978, quando a ditadura começava seu declínio.
Cálice teve a genialidade, por parte dos compositores, de assimilar o seu nome ao verbo “Calar”,
portanto, Cale-se. Assim com versos que falassem da repressão, Chico e Gil diriam àquela sociedade sobre o silêncio que era imposto a todos. Contudo, devido justamente a censura, os cantores da época tinham que usar de alguns truques para driblar a repressão, assim usando uma linguagem muito mais difícil, o que faria o não entendimento das classes menos escolarizadas.
Por fim, o Regime Militar foi dissolvido em 1985, a democracia voltava ao Brasil e a Liberdade de Expressão sagrada um direito constitucional; A música sempre teve papel importante na história contra regimes autoritários e contra a luta da desigualdade social. Aqui, em nosso país, com uma diversidade enorme de ritmos e culturas, a MPB foi idealizada por artistas que usaram de sua sonoridade para expressarem sua indignação com a situação social e política em que vivíamos.
Hoje ela sofre uma mudança e mais influências do que no começo, a nova MPB, ainda que tenha perdido seu caráter contestador, mas não totalmente, mistura ritmos latino-americanos, do blues, do rock, do samba, da própria bossa nova, do indie rock e muitos outros; Podemos citar aqui Clarice Falcão, Toni Ferreira, Tulipa Ruiz, Johnny Hooker, Mallu Magalhães, Filipe Catto, Cícero e muito mais.
Mas ainda há espaço para expressar, não somente o amor e outros sentimentos, mas também situações do cotidiano e de novos problemas sociais, porque afinal: “Como beber dessa bebida amarga/ Tragar a dor, engolir a labuta/ Mesmo calada a boca, resta o peito/(…) Outra realidade menos morta,/ Tanta mentira, Tanta força bruta”.