Rafael Garcia |
Quando a água do copo seca.
“Insistir na satisfação plena é resistir a uma força centrífuga, pois todos os fatores estão contra você, inclusive você mesmo.”
Tudo está perdido, não há mais ao que recorrer. O dia pareceu triste demais, demasiado insípido, inodoro, incolor. Ter respeito, dinheiro, independência, nada disso garante satisfação permanente. O cérebro segue numa luta constante entre seu centro de emoção, que o permite satisfação imediata, e a razão, que considera as metas a longo prazo. Essa dúvida comportamental deságua em rios de indagações e por vezes a positividade vai embora. “Carpe Diem” deixa de ser um estilo de vida pra virar uma simples marca de perfume. Ao invés de ver o “copo d’água meio cheio” passamos a ver o “copo d’água meio vazio”, e ainda pior pode ser quando o água do copo seca.
Eis o objetivo humano: ser feliz. Mais adequado dizer que a felicidade é um desafio, interminável, diga-se de passagem. Criamos focos para nossas vidas e o mais obvio é o trabalho. Todos os esforços tendem a construção de uma vida melhor para você e sua família, haja resiliência para aguentar a labuta, litros de suor escorrendo. No começo a intenção é ter um doce lar cheio de harmonia e flor, mas a ambição vai galgando o espaço do bem estar, o que se quer é erguer um império que nunca termina, as pessoas querem patrimônios incomensuráveis. Com o passar do tempo o trabalho perde a graça, você perde o trabalho, ou o trabalho te engole, ficar insatisfeito é inevitável.
Outra preocupação é o relacionamento amoroso, esse sempre é problemático. Metade da humanidade lastima não ter um relacionamento fixado, aquela estrutura pré-moldada de família. A outra metade reclama do relacionamento que tem, se casam para ser feliz e esquecem da felicidade do companheiro. A intimidade desvirgina a inocência das palavras, a paciência se torna fundamental. Saber dividir as coxas do frango assado no domingo é a essência de um casamento feliz. Contudo, raros casos conseguem lapidar um casamento em sua constância perfeito.
Fato corriqueiro é a autocomparação. Sabe o amigo, o vizinho e os primos que cresceram junto com você? Como eles conseguiram? Você se julga muito mais capaz que eles, você fez tudo certo, todas as suas metas foram atingidas, seus planos foram cumpridos fielmente, mas o senso crítico negativista “gliteriza” a conquista do outro, aquilo que o outro conseguiu e você não se torna o mais importante. Neste momento há inferiorização, sentimento de ser menor, é o retorno ao status quo da insatisfação.
Tão ou mais difícil que trabalhar é estudar. Quem vive a prestar concursos públicos me entende bem. Muitos, ainda menores de idade são torturados a escolher um caminho para seguir pelo resto da vida, sua profissão. Anos depois adultos revoltados buzinando desesperadamente nas ruas congestionadas das capitais descobrem que odeiam o que fazem. Mas como o tempo é um risco de lapiseira numa folha branca de papel A4, só lhes resta cumprir o oficio e rezar pra logo fazerem parte do quadro de vítimas da previdência social brasileira, que o assento preferencial do ônibus esteja desocupado e que o viagra funcione depois de meia hora.
São incontáveis os obstáculos para desbloquear a conquista da felicidade no jogo da vida. Insistir na satisfação plena é resistir a uma força centrífuga, pois todos os fatores estão contra você, inclusive você mesmo. Porém, desistir desta saga é entregar-se ao ócio, fugir à luta e deitar eternamente em berço esplendido. As pessoas pararam de amar, pararam de pensar, pararam de tentar. As dúvidas são regra e a insatisfação é companheira. Reclamar é moda, toda novidade incomoda, o ser humano esqueceu que trabalhar, estudar, formar família, ter amigos, faz parte de um processo de energização do corpo e da mente, mas isso não o garante satisfação permanente. O capitalismo “embabacou” as pessoas. Vivemos em uma pelota de desagrados na busca eterna do prazer.