Estamos vivendo tempos realmente desafiadores em que os fatos se confundem com opiniões, que se confundem com mentiras midiáticas, que por fim, acabam criando destinos para todas/es/os nós, sobretudo, quando o assunto é eleição e política.
Logo mais estaremos todas, todes e todos indo até as urnas eleger pelo voto democrático prefeitas/es/os e verereadoras/es que representarão, em última instância, a vontade do povo. E por esse motivo, quase como em um episódio de The Walking Dead, observamos políticos com suas políticas conservadoras saindo dos esgotos e bueiros do falso moralismo que há muito ganha votos e divide opiniões.
E seguindo a lógica desse fenômeno de “zumbificação” esses políticos conseguem através de suas falácias e estratégias perversas manipular tabus sociais que ainda rondam o imaginário popular como destruidores das três principais instituições que organizam a sociedade burguesa: a religião, a família e o casamento. E através da propaganda anti-LGBT eles conseguem fazer isso.
A dificuldade na aceitação das sexualidades não-heterossexuais e das identidades não-cisgêneras não é algo que acompanha esse tempo histórico, na verdade, o que observamos é que ao longo da história da humanidade as sexualidade e as identidades de gênero sempre ocuparam diferentes locais sociais – ora na marginalidade, ora ocupando um local central e até mesmo sagrado.
O que podemos entender é que, a partir do advento do cristianismo político, o sexo e a sexualidade humana começaram a ocupar um local de mal estar na civilização ocidental, portanto, é preciso entender que há séculos de repressão sexual diante de poucas décadas de liberação e questionamento. E é exatamente nessa brecha que políticos conservadores, ou simplesmente “mamadores do dinheiro público” manipulam para desestabilizar e ganhar votos.
Mas essa estratégia perversa não tem relação apenas com votos e eleição, na verdade, o grande perigo dela é inflamar estereótipos e preconceitos que já estão enraizados, mas que vinham sendo desestabilizados em um processo de progresso desconstrutivo. Em suma, o resultado final das urnas impacta diretamente na não produção de políticas públicas de saúde, educação e cultura, por exemplo, que poderiam mudar cenários de desigualdades sociais.
No fim, não são votos que são perdidos. No fim, são vidas e corpos de mulheres cis, mulheres negras, indígenas e LGBTQIA+ que pagam o preço.
E qual o motivo de elencar somente essas categorias de marcadores sociais? Bom, pelo fato de que são elas que se tornam “as bruxas” da caçada eleitoral aos votos conservadores.
Usar nossos corpos é uma estratégia difamatória comum e que ao nos atermos na história dos conflitos políticos, por exemplo, observamos que tanto blocos de esquerda ou de direita se utilizaram dessa “estratégia” para diminuir o poder da oposição. Por exemplo, durante o período entre as duas grandes guerras mundiais, os russos fizeram isso, difamando muitas vezes os alemães com piadas machistas e LGBTfóbicas, que por sua vez os alemães fizeram isso com os russos. Sem ainda mencionarmos que durante a luta política contra a Ditadura Militar no Brasil muitos militantes LGBT e mulheres cis que queriam estar ao lado da resistência eram marginalizados e até mesmo silenciados em suas lutas e corpos, pois isso poderia de algum modo fazer com que todos se esquecessem da “causa maior” ou ainda envergonhar o partido com seu “estilo de vida promíscuo”.
Claro que hoje, graças a luta independente dos movimentos feministas e LGBTQIA+, os partidos de direita, em especial os de esquerda, acoplaram para si essas reivindicações, pautas e agendas.
Por essa razão precisamos refletir e compreender, minimamente, como essas estratégias perversas manipulam medos e tabus sociais fazendo com que destinos de progresso e humanização sejam adiados.
Para isso tomemos como exemplo uma infeliz eleição recente, a de 2018, que elegeu o atual (des) presidente Jair Messias Bolsonaro.
Ao resumir a estratégia bolsonorista podemos dizer basicamente que ele representou, discursivamente, uma narrativa comum e muito presente entre boa parte da população brasileira: o machismo, o racismo e a LGBTfobia, sem ainda mencionarmos o ódio aos mais empobrecidos.
Bolsonaro, como um típico político de palanque, surge no cenário público aturdindo a população sobre o risco que as instituições (casamento, família e religião) estavam correndo com as ideologias feministas e LGBT. Essas instituições, em uma análise realista não são nucleares (pai, mãe, filhos e de classe média, brancos e cristãos). Na verdade, a família brasileira é ampla e diversa, mas que em muitas instâncias tentam reproduzir, com muita violência e negação da alteridade, o ideal inexistente da família patriarcal que é herança da burguesia do século XVIII e XIX.
Mas essa propaganda funciona, pois ela mexe com aquilo que está ainda represado nas pessoas: o sexo e a sexualidade.
No senso comum se tem a crença de que a cisgeneridade e a heterossexualidade é algo que se caminha juntas, cuja as instituições aqui já citadas as legitimam. Entretanto, abaixo dessa cobertura existem conflitos e desejos reprimidos que quando não encontram vazam de satisfação tornam o outro (pessoas feministas e LGBT) o alvo do seu não gozo. Portanto, o outro é sempre a sombra que assombra o conservador e suas ideias limitantes.
No discurso falacioso e perverso desses líderes políticos em período eleitoral, no qual não possuem projeto político substancial, articulam narrativas mentirosas para dividir a população. É a propaganda do medo e do preconceito. Esses políticos funcionam quase como psicólogos às avessas que ao invés de lidar com aquilo que está reprimido no sujeito utilizam a força do que está recalcado para engendrar votos por meio da agressividade. E infelizmente isso funciona… A mamadeira de piroca funcionou. O Kit Gay funcionou. O banheiro unissex ou um terceiro banheiro funcionou. A pedofilização das pessoas funcionou. O aborto de 9 meses funcionou. O comunismo infiltrado em algum lugar funcionou. Percebe?
E enquanto tudo isso está funcionando – muito bem, obrigado – esses mesmos políticos estão articulando com empresas e oligarquias suas agendas pessoais que em última instância não está nem ai para o povo, até mesmo para aqueles que acreditaram neles. E assim continua a velha política e pior, a descrença coletiva na mudança pela política!
E essa população que deliberadamente acredita, por mais absurdo que seja, goza satisfeita por terem seus desejos reprimidos assegurados para que seus dilemas pessoais ainda continuem guardados em todos os armários possíveis. E depois gozam ao assistirem os telejornais que denunciam outra morte de LGBT, outro crime de racismo, outro crime de feminicídio. Elas gozam, pois acreditam que isso é o cumprimento de uma proposta política séria. Há, portanto, e no fim, uma relação perversa que sustenta políticos conservadores e seus eleitores já que não há líderes sem massa. O que cabe aqui a provocação: Bolsonaro se elegeu sozinho?
Ao escrever este texto tive a intenção de propor um momento de ponderação antes da escolha de seu voto e como ele impacta no destino e na vida de todas, todes e todos.
Embora esse autor que vos escreve seja deliciosamente inclinado a esquerda eu não quero fazer daqui meu palanque pessoal partidário, na verdade, espero que você se afine com propostas reais de políticos para a educação, saúde, economia, meio ambiente, cultura, e tantas agendas que tornam uma sociedade mais humanizada e cidadã. Pense que seu voto é um ato poderoso e que implica sobre a vida de muitas pessoas, até daquelas que você intencionalmente ignora. Pense. Não vote pelo discurso de ódio, a narrativa fácil. Vote por projetos, por quem tem algo sólido a dizer e a oferecer. Faça boas escolhas!
Para ver mais textos de Sérgio Lourenço, confira sua coluna Queer-se.
Foto de cottonbro no Pexels
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