Há, por décadas, importantes debates, em diferentes áreas do saber, sobre os perigos do bullying nas escolas. Infelizmente, os resultados podem ser fatais. Em São Paulo, um adolescente de 16 anos matou uma aluna e feriu outras duas, na manhã do dia 23 de outubro de 2023, em uma escola estadual, no Jardim Sapopemba, na zona leste da capital paulista. Fruto de insistentes tormentos e agressões realizados na escola, o jovem, certamente, se sentindo desassistido por pais, professores, colegas, Secretaria de Educação e gestão escolar agrediu violentamente colegas de sala de aula. Tudo foi registrado por câmeras. Uma estudante de 17 anos morreu com um tiro na cabeça (Estado de Minas, 2023).
Outro estudante, do 2º ano, informou aos repórteres que o atirador era constantemente humilhado por ser gay. Pais de estudantes sabiam disso e também informaram o mesmo na reportagem: “Ele era alvo de bullying. Tem um vídeo que mostra ele sendo agredido fora da escola, que era usado para humilhá-lo” (Estado de Minas, 2023). Outro estudante informou que o atirador era envolvido constantemente em brigas, dentro e fora da escola, principalmente nas redes sociais. De acordo com os depoimentos oferecidos pelos jovens, as alunas que praticaram homofobia não foram feridas no ataque.
É importante destacar, a partir do trecho acima, que fica claro que o jovem estava pedindo socorro, desejava ser ouvido para que a violência perpetrada contra ele diariamente parasse. Porém, como a escola nada fez, os colegas pouco puderam ajudar e, de alguma forma, ficou claro que ele não tinha suporte no ambiente doméstico, acreditou que uma arma poderia resolver seus problemas, piorando mais ainda a situação.
É observável, a partir da notícia, questionamentos que precisam ser feitos: Qual é o papel da escola no combate a homofobia? Como a escola debate a cultura queer e cria um ambiente seguro para os jovens e suas diferentes sexualidades?
Se o papel da escola, para além de mera transmissão de saberes, fosse se envolver diretamente com os debates que são importantes na formação individual, coletiva, humana e afetiva dos jovens, seria possível diminuir a zona de reprodução da misoginia, do racismo e da homofobia, em suas diversas vertentes.
O olhar será direcionado para a sala de aula: a primeira questão a se observar é sobre como os conteúdos são desenvolvidos. E, por este prisma, fica clara a invisibilidade sobre o universo LGBTQIAPN+. No caso das aulas de história do Brasil, há pouco – generosidade textual deste autor – debate, leituras e olhares sobre as ações de homens e mulheres fora do universo heterocisnormativo do passado. Ou seja, são invisíveis as ações delxs no período colonial; nos movimentos liberais; nas ações de combate a perseguição contra os “degenerados” durante o império brasileiro; durante a padronização heteronormativa do cidadão brasileiro na república; e, por fim, a vida, luta, resistência e sobrevivência da população GLS (como eram denominados à época), durante a ditatura civil militar brasileira, e da mesma forma, como foram (des)tratados nos registros didáticos.
De fato, a compreensão da forma como os livros didáticos apresentam, ou não, propostas de debates e reflexões sobre o movimento GLS durante a ditadura civil militar brasileira precisa ser revista. No mesmo caminho, analisar os mecanismos apresentados nas obras para que professores possam instrumentalizar estudantes sobre a cultura queer, os movimentos de lutas, resistências e sobrevivências de homens e mulheres LGBTs no combate não só a heterocisnormatividade, como também no combate contra a ascensão da extrema direita brasileira.
Ao olhar para a necessidade de combater os negacionismos do presente, a heterocisnormatividade se demonstrou, diariamente, em sala de aula, constante risco contra a saúde física, mental, intelectual e emocional dos jovens. Estudantes são obrigados a entender e aceitar que só existem dois sexos, e, por isso, dois gêneros. Logo, independe de onde venha o discurso disciplinador, são direcionados a uma visão distorcida, manipuladora e tóxica sobre seus corpos e sexualidades.
Seja por meio das redes sociais, que delimitam os padrões de comportamentos que devem ser consumidos; ou pelo sistema de repressão tradicionalmente imposto dentro de casa, para alcançar as expectativas paternas e maternas; ou pelo medo e culpa, que imputam diariamente os perigos da punição eterna ao se entregarem aos prazeres proibidos; ou pela escola, que se silencia diante dos negacionismos de alguns professores, de alguns familiares, da política, xs adolescentes, historicamente, crescem aprendendo a odiar tudo que está fora dos padrões estéticos heteronormativos.
Os livros didáticos invisibilizam completamente o passado e a cultura da diversidade sexual, reforçando, querendo ou não, por consequência a tradicional imagem da homoafetividade como promiscuidade, crime e perversidade. Ou seja, uma prática promovida por pessoas que não tem nada a acrescentar para a história e a construção da sociedade – o que não é verdade.
Por causa disso, não surge a sensação de espelho, conhecida hoje como representatividade. Como se identificar dentro de uma cultura rica e plural, repleta de homens e mulheres que mudaram os sentidos e significados de seus dias, se são apagados dos registros e ou da sala de aula? Não há presença! Logo, não há identificação. Lembrar e entender que estes sujeitos que foram demonizados, punidos e executados no passado, agora são silenciados e anulados, impossibilitando que xs jovens compreendam a pluralidade e a diversidade como algo inerente aos seres humanos. E que todo o ódio que elxs aprenderam a consumir é fruto da imposição heteronormativa, que precisa ser compreendida, analisada e combatida.
Em abril de 2024 lembramos que a 60 anos atrás a democracia brasileira sofreu um golpe, implantando 21 anos de terror e tortura por meio da ditadura civil militar. Negar o papel dxs LGBTs na luta contra a dominação representa, também, negar os crimes cometidos tanto no passado quanto no presente. Nossxs jovens LGBTs precisam conhecer a sua própria história!