A fé cristã e a culpa por ser LGBTQIA+

Começo o texto dessa semana com uma citação do filme Orações para Bobby (Prayers for Bobby, 2009), que foi um divisor de águas na minhas vida. Digo isso porque nós LGBTQIA+ costumamos falar dos fatos, de como a religião cristã, que deveria estar lá para nos exaltar, destruiu nossas vidas, mas é muito difícil falar de como nos sentimos. Isso por que é muito difícil de lidar com a culpa quando somos LGBTQIA+ e cristãos ou, sendo mais específico, evangélica.

“‘Homossexualidade é um pecado. Os homossexuais estão condenados a passar a eternidade no inferno. E se eles quiserem mudar, eles podem ser curados do jeito pecaminoso deles. Se eles se livrassem da tentação eles poderiam ser normais de novo. Só se eles tentassem e tentassem muito.’ Mas não funciona. São todas as coisas que disse para o meu filho Bobby quando descobri que ele era gay. Quando ele me disse que era homossexual meu mundo caiu. Eu fiz tudo que eu pude para curá-lo da doença dele. Oito meses atrás meu filho pulou de uma ponte e se matou. Eu me arrependi muito sobre a minha falta de conhecimento sobre os gays e o lesbianismo (sic). Eu vejo que tudo aprendi disso era fanatismo e difamação desumana. Se eu tivesse investigado além do que me disseram… se eu tivesse ouvido meu filho quando ele abriu o coração para mim… eu não estaria aqui hoje, triste, com vocês cheia de arrependimento. Eu acredito que Deus ficou satisfeito com o espírito gentil e amoroso do Bobby. Aos olhos de Deus a bondade e o amor é tudo que conta. Eu não sabia que cada vez que ecoa a condenação eterna para o público gay… cada vez que eu me referia ao Bobby como doente e pervertido e um perigo para nossas crianças, a autoestima dele, o senso de valor dele estava sendo destruído. E finalmente o espírito dele ficou irreparável. Não que Deus quisesse que Bobby subisse pelo outro lado da estrada e pulasse diretamente no meio de um caminhão de oito rodas que o matou na hora. A morte do Bobby foi resultado direto da ignorância dos pais dele e o medo do mundo gay. Ele queria ser escritor. As esperanças e os sonhos dele não deveriam ter sido tirados, mas foram. Existem crianças como o Bobby sentadas em suas congregações, desconhecidas para vocês elas vão ouvir quando vocês ecoam a mim e isso em breve irá silenciar as orações deles. As orações deles para Deus pedindo compreensão e aceitação e para seu amor. Mas o seu ódio e o medo e a ignorância do mundo gay ira silenciar essas orações. Então, antes de ecoarem a mim em sua casa e no local de adoração, pensem… pensem e lembrem: uma criança está ouvindo.”

A religião sempre oi um pilar muito forte na minha família. Não digo só dos meus pais e irmãos, mas também primos e primas, tias e tio, avós e avô e minha bisavó. Desde bebê era levado aos cultos, cresci frequentando a reunião de jovens e até recitava versinhos e tentava estudar música. Tudo orquestrado para crescer, casar com uma irmãzinha, ter filhos e tocar flauta ou violino na igreja.

E um dia você não consegue mais se esconder e aceita para si sua orientação.

Mas existe uma coisa que você aprendeu que é o pecado, que é o temor de Deus, que é a abominação. Existem todas aquelas histórias do irmãozinho que foi para o mundo e toda aquela acusação em cima dele. Da irmã que casou grávida e como Deus iria castigar ela por ter pecado. Tudo que você aprende é ter temor de Deus. Isso mesmo. Temor:

substantivo masculino
1.falta de tranquilidade, sensação de ameaça; susto.”assediados pelos selvagens, vivem em t. constante”
2.POR EXTENSÃO: sentimento de profundo respeito e obediência.”t. a Deus”
(Fonte: dicionário do Google)

Tudo que a gente aprende na igreja é ter medo de Deus. Ter essa sensação de ameaça o tempo todo. Que se fizer algo errado você vai ser castigado, condenado. Aí você descobre que sua “condição” não é agrado de Deus. Aí você surta. E, pior, o seu medo de estar errando diante de Deus te faz ficar calado e sofrendo sozinho. E aí você sofre. Você chora. Você se desespera.

Eu lembro os primeiros dias na edícula ali no Paraventi, bairro de Guarulhos, quando já estava morando sozinho. Minha rotina era acordar, ir trabalhar, voltar pra casa, me ajoelhar para orar, pedir para Deus me perdoar, pedir para Deus fazer com que eu não seja mais gay e chorar até dormir. Eu passei uns três meses nesse ritmo. Até ia na igreja regularmente. Nessa época eu já namorava há um ano mas nunca havia falado desse abismo que existia dentro de mim para meu ex. Era algo que era só meu. Lembro o último dia que fui na igreja e falei meus pensamentos para Deus “este é o último dia que venho aqui”. E assim foi. Entrei em depressão e meu pensamento era: “se eu for para o inferno de qualquer forma, para que esperar?”. E assim vieram as tentativas de suicídio.

Hoje, doze anos após tudo isso que estou contando ainda é difícil escrever. Escrevo com emoção. Mas não estou aqui para dizer que ser gay é errado, estou aqui para falar da minha superação e, quiça, ajudar alguém que está passando pelo mesmo momento. A proposito, estou aberto a conversar.

Então vamos lá. A citação que coloquei acima não é atoa. Como disse, considero esse filme uma obra que mudou minha vida. Quando falo de Orações para Bobby, eu falo que é a história de uma mãe. Isso por que o suicídio de Bobby acontece na primeira meia hora do filme. E assim, Mary Griffith, desesperada, faz questionamentos sobre a seu fanatismo religioso. E no decorrer do filme descobrirmos que tem outras interpretações para Bíblia.

Acho importante ressaltar que a Bíblia foi escrita há mais de três mil anos por homens. Ela não foi escrita por Deus ou por um espírito divino. Ela foi escrita por homens que viviam à sua época. É muito injusto a forma que as igrejas lidam hoje com a homossexualidade e transexualidade. Os dogmas das religiões seguem apenas trechos de livros. Se você para para pensar e questionar, o livro mais usado para ofender os LGBTQIA+ é o Levitico. Nele lemos a famosa frase que diz “Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação é” (Levítico 18:22). No mesmo livro ainda lemos coisas como: “Se um homem cometer adultério com uma mulher casada, com a mulher de seu próximo, o homem e a mulher adúlteros serão punidos de morte.” (Levítico, 20:10) ou “Vossos escravos, homens ou mulheres, os tomareis dentre as nações que vos cercam; delas comprareis os vossos escravos, homens ou mulheres.” (Levítico, 25:44).

Agora te pergunto, por que algumas partes são usadas como dogmas e outras não? Se faça essa pergunta. Se questione? É muito importante se questionar para sair desse ciclo abusivo que a maioria das igrejas cria com pessoas LGBTQIA+. Por que você acha que questionar a bíblia e os dogmas é tabu? É tabu para que não haja pensamento crítico. Para que não haja perguntas como: Se a escravidão foi abolida, por que ainda é abominação ser gay? Se homens e mulheres não pagam com a vida suas traições, por que o gay deve pagar?

Se você é cristão e gosta de seguir um templo, existem igrejas inclusivas, dê uma chance. Eu não cheguei a conhecê-las por que me foi imposto que só um caminho é verdadeiro, mas pode ser uma boa ideia. Pense. Critique. Questione. Só assim você vai conseguir se sentir inteiro com usa orientação ou identidade. A homossexualidade é mais antiga que a bíblia, somos gays desde que nascemos, não é algo que escolhemos ou podemos mudar. Se Deus não aceita, então por que nos criou?

É muito injusto acreditar que LGBTQIA+ merecem menos o céu. Isso é dizer que somos indignos. Conheço gays que vivem a vida para ajudar os outros e evangélicos que sentam no banco da frente e na saída fica falando maldades e calúnias sobre outras pessoas. Evangélicos que são racistas. Evangélicos que matariam gays como o caso que aconteceu recentemente em Mato Grosso. Evangélicos que matam os filhos, como a mãe do Itaberly.

Uma religião está ali para nos fazer pessoas melhores e nos fazer sentir bem. Questione.

Para quem tem experiência com igrejas cristã inclusiva, conte para nós!

Fico por aqui… uma ótima semana para todos. 🙂

Por Dan Barroso
para a coluna C’est La Vie!

Respostas de 5

  1. Oh, meu irmão, entendo sua dor. Também sou homossexual. No entanto, nada nesse mundo me convence de que isso é bom diante de Deus, porque de acordo com a Bíblia não é e jamais será. E é com muita tristeza que escrevo isso, sabe? Acho que todo LGBTQIA+, que já frequentou uma igreja, no fundo, sabe disso. O que acontece é que todo o ser humano busca incessantemente por aceitação, procuramos nos justificar de nossas falhas. Deus nos ama, mas, não se agrada do pecado, amigo.
    Infelizmente de Gênesis à Apocalipse a homossexualidade e tudo que foge do plano inicial de família que Deus criou, é errado.
    Não sou perfeita, mas, eu sou consciente de que a homossexualidade não é certo e de que essas novas igrejas inclusivas que estão surgindo, infelizmente, estão pregando um conforto momentâneo para as pessoas que as frequentam. Não me interprete mal. Não lhe escrevo isso com voz autoritária. Mas, como diálogo ameno. Embora, o assunto seja extremamente delicado, meu irmão. Peço a Deus que NOS alcance com infinita Misericórdia e que Ele NOS dê um coração contrito e arrependido. Para que não sejamos enganados pelo NOSSO próprio coração. Pois, aos nossos olhos, viver ao nosso modo é tão bonito e verdadeiro. Eu custo a entender o quanto isso pode ser errado. Mas, vez ou outra Deus me dá o entendimento de que realmente isso é engano do nosso coração.
    Lembre-se Jesus pregou que devemos dia após negar a si mesmo, se quisermos seguí-lo. Ele nos ama sim e muito, mas, abomina nossos pecados. Eu sei o quanto é doloroso essas palavras, elas doem em mim!!! Mas, a verdade, segundo a Bíblia é esta. Que o Senhor Jesus NOS ajude. Pois, a nossa redenção está próxima. Jesus breve virá.

  2. Me parece um paradoxo apregoar o sexo para procriação e por ser padre acreditar que o chamado voto da castidade se manterá! Como evitar a atração com o mesmo gênero se no aflorar da adolescência a gente convivera com o mesmo gênero nos banheiros! Depois como no “girar a chave” como dizem: aqueles e aquelas que casaram serão heteros! Uma ocasião, normalmente usando o mictório, um colega de trabalho que até nos falávamos com frequência mesmo sendo de setores diferentes comentou ter transado demanhazinha, mas se meu anus daria dele me fazer cunilingua: não só fez o proposto, como tendo se excitado, fui penetrado!

  3. Dan, seus textos-relatos são sempre tão carregados de emoção! Adoro te ler e refletir a partir do que você traz. Particularmente eu nunca tive conflito com minha sexualidade e religião, mesmo tendo margeado o cristianismo católico pela insistência ineficaz de minha mãe em tentar me levar na igreja (algo que ela desistiu rápido) aos 12 anos eu descobri a minha religião, a Wicca, que é uma religião neopagã com paradigmas de aceitação e acolhimento da diversidade. Meu conflito ao me assumir foi pela não aceitação de minha mãe, que via meu processo como um tipo de adoecimento mental, claro que perpassava pelas construções sociais baseadas no cristianismo estrutural na qual a nossa civilização ainda orienta suas relações. Mas o seu texto me faz pensar que LGBTQIA+ tem direito a vivenciar uma fé cristã e se sentir a vontade com ela e sua sexualidade ou identidade de gênero. Seu texto me faz pensar o quanto algumas leituras bíblicas são problemáticas e intencionalmente feitas para provocar dor e criar exclusão, gerar culpa e medo para controlar. Penso que o filme Orações para Bobby é um exemplo de uma re-significação da fé cristã, um verdadeiro cristianismo, onde se vê amor e acolhimento, penso que LGBTQIA+ podem buscar igrejas inclusivas.

  4. Acho que muitos de nós têm um caminho parecido. Eu me lembro de sofrer muito antes de abandonar a igreja, antes de ir lá uma última vez. Eu também não entendia como deus não me ouvia, não me curava ou não me dava uma vida normal. Seu texto me inspirou a pensar e escrever sobre isso.

  5. Dan, eu também venho de um lar profundamente cristão. Este ambiente somado a visão deturpada de que Deus só ama os “certinhos” causa muito sofrimento as pessoas que não se enquadram. Sofri por muito tempo também, até assumir e viver a verdade de que nenhuma religião é em si divina. São manifestações humanas em busca do divino. Não são donas da verdade de Deus.

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