No meio da pandemia, eu travei.
Na escrita, eu sempre encontrei uma forma de colocar para fora tudo o que eu sentia, o que eu pensava, minhas crenças, e tudo o que eu desejava para mim e para o mundo. Eu me afirmava ao escrever. Era como decretar quem eu era por meio de um documento oficial, só que …
Primeiro, chegou o medo de morrer.
Eu já tive um certo medo quando andei de avião. Tem também aquilo que chamo de medo, mas é mais uma tensão toda vez que estou no carro, na estrada, com algum motorista que não conheço. Em ambos os casos, era controlável. Era só eu não pensar naquilo que o medo passava. O problema é que estava impossível de não pensar em COVID e acho que nem preciso explicar o porquê.
Daí, o medo virou pânico.
O pensamento de morrer sozinha em um hospital, inconsciente, sem me despedir de ninguém, sem tempo de me reparar…Tudo isso vinha de uma vez como um soco repentino no peito e me tirava o ar. Eram pelo menos 15 minutos de coração acelerado, falta de ar, dor no peito, respiração ofegante e choro, muito choro e desespero. Para quem via de fora, não fazia o menor sentido e, para quem está dentro…Também não fazia! Toda vez que a crise passava eu me sentia ridícula porque, afinal, ela não tinha nada de racional e tudo de desproporcional.
Então, chegou a hora de pedir ajuda.
E não, eu não comecei a fazer terapia durante a quarentena. Eu já fazia antes, há bastante tempo. Mas, foi nestes episódios que descobri que tinha medo de decepcionar minha terapeuta (Oi? Pois é, isso tem nome, chama transferência, mas é tema para outro texto) e, então, não falava abertamente sobre os momentos mais sombrios. Demorou algumas sessões para que eu conseguisse, enfim, contar sobre as crises e sobre como me sentia em relação a elas.
Da ajuda, surgiu um mundo de interrogações.
Com o tempo e as sessões, fui percebendo que meu medo não era de morrer. Essa possibilidade, afinal, sempre existiu. A diferença é que eu acreditava que isso seria lá na frente (de preferência depois dos 90 anos) e estava vivendo no piloto automático, achando que eu sempre teria tempo de correr atrás da vida que eu quero viver. O medo, na verdade, veio de encarar que talvez esse tempo não exista, era medo de não ter tempo.
Então, pode ser que eu só tenha hoje?
Como aproveitar tudo hoje?
E se eu nunca for aquilo que eu quero ser porque faltou tempo?
E o que, de fato, eu quero ser?
E como ser qualquer coisa agora? Como realizar sonhos e desejos hoje?
Quais são meus sonhos e desejos?
O que eu sou?
O que eu sou se só existir o hoje?
Então, a escrita que sempre serviu para me afirmar perdeu a função que eu havia destinado a ela. Se eu não sei quem sou, o que irei afirmar afinal? Foi aí que travei e parei de escrever.
Daí, chegou o dia de hoje: 29 de setembro de 2020. O dia em que, do nada, enquanto escovava os cabelos, eu cheguei na única afirmação possível sobre mim: eu não sei quem sou e talvez eu passe a vida me conhecendo, sem chegar a uma certeza.
Foi nesse instante que percebi que, talvez, eu não precise ser “nada” nem “ninguém” da forma como acreditei que devia. Seja pelas as minha perspectiva, expectativa e cobranças, ou seja, pelo ponto de vista do outro.
Talvez, não seja preciso ser algo ou alguém.
Talvez só seja preciso ser.
E aqui estou. Apenas sendo e feliz por ter uma afirmação um novo ponto de vista pelo qual eu possa ver o mundo e a mim mesma… E escrever sobre isso.
Um abraço, um beijo, um cheiro (Hoje, em especial para o Dan daqui do Instituto pela paciência todas as vezes em que eu não tinha um texto para mandar e por nunca me julgar nesse processo e para a Ana, minha terapeuta)
Obs.: se o medo de morrer também é algo presente por aí, indico o livro A morte é um dia que vale a pena viver da autora Ana Claudia Quintana Arantes. Foi uma leitura e tanto!
Luciana Andrade tem 32 anos. Formada em Comunicação social com habilitação em Jornalismo e especialista em Gestão de comunicação executiva. Casada com Danilo, escritora por paixão. Sou aquela que sempre traz amor, que está sempre com uma pergunta na cabeça, mas que esta feliz demais por ser essa Luciana toda!
Imagem de David Schwarzenberg por Pixabay
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