Arnaldo Antunes, cantou a sua Envelhecer1 nos poetizando que:
“A coisa mais moderna
Que existe nessa vida é envelhecer
A barba vai descendo
E os cabelos vão caindo pra cabeça aparecer…”
O doce bárbaro da poesia concreta, Arnaldo canta a razão da pessoa que se transforma no reflexo do seu espelho, sem medo de admirar o seu eu, a cada nova marca de expressão que surge nos sulcos do rosto que acumula as idades da vida.
Penso, que toda idade tem a sua beleza, por mais que a ditadura do Arco-íris, inconscientemente ou diretamente, diga que não: somente o novo é belo e, é belo mesmo, mas, todos nós somos belos!
O Grisalho que está no Arco-íris é um ser do seu tempo, como dizia Mãe Stella de Oxóssi2, “meu tempo é agora” é, no aqui e agora que se vive consubstanciado pelas medalhas pregadas aos estigmas do corpo vivo. Corpo que vivenciou a perseguição da ditadura, quando o Governador Biônico Paulo Maluf3, em plena ditadura baixava o sarrafo nos gays e travestis que insistiam em viver a liberdade do amor que não ousa dizer seu nome4; sobreviveram a revolução sexual das décadas de 1960 e 1970, com todo sexo, drogas e rock’n’roll possível e delicioso5 e desembocando na fatídica década de 1980 com a chegada da Gay-RelatedImmuneDeficiency (Imunodeficiência relacionada a gays), que mais tarde seria definida como aids, à contragosto dos conservadores de plantão6.
Por favor, peço pausa para relatar um fato histórico: O Brasil é o único país latino, que a aids não se chama sida e, não deveria ser chamada mesmo, pois isso poderia gerar desconforto para as Cidas com “C”, ou causar um imbróglio com outra Senhora Aparecida, que mora no Vale do Paraíba, na cidade de mesmo nome.
Voltando para nosso Grisalho e sua reflexão sobre o guarda-chuva do Arco-íris, que diz que cobre todos/as/is, mas que na verdade, quando você olha bem de perto, não vê muitos gatos maduros.
Ah! que displicência minha, claro que dá para ver alguns sim, olha minha falta de tato, porém os gatos maduros que vos falo, expressam uma estética heteronormativa, branca, cristã e jovial7. Aqui vou tomar à liberdade de batizar estes gatos de Alces Poliglotas. Você deve estar se perguntando: por que o narrador escolheu este nome? E ele responde, porque é fashion e bem gay.
Os Alces Poliglotas, para permanecerem na ilusão da juventude abalam seus corpos na sofrida carga de exercícios para suprimir as suas “pochetes”; usam cremes e aplicações no rosto para se livrarem das marcas da idade do RG; ser arvoram à desfilar de bonés com abas para traz para deixar à cara da alma mais jovem; se apertam em roupas de estilo Bad Boy para impressionar com todo seu pseudopoder fálico, os gatinhos que tanto insistem em reduzir suas investidas no pobre Alce e, para finalizar, não posso deixar de comentar sobre o tipo de falas que rolam da boca dos Alces, que no passado as bichas mais experientes, chamavam de papo de “aranha”, isto é, sem conteúdo e usando um vocabulário que deixaria a Compadecida de Ariano Suassuna8 roxa de vergonha.
Os Alces estão presente no Arco-íris, ainda mais agora que o cabelo cinza virou moda. Eles estão deixando essa cor prevalecer, mas muitos ainda se utilizam de toda coloração para deixar pretos ou loiros suas madeixas, pois assim eles se camuflam muito bem no meio do seu território de caça.
E os Grisalhos que não tem paciência, estômago e cinismo para se transformarem em Alces, sofrem a rejeição do Arco-íris, ficando ao limbo como outros gays não tipificados como ideais, pela ditadura dos unicórnios.
As cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, são privilegiadas, porque conseguem viabilizar espaços e convivências para os Grisalhos, mas outras localidades não conseguem assegurar esta liberdade de direito. Aqui em São Paulo, percebi que com o tempo, os Grisalhos foram ocupando estes espaços, uns saíram do armário, outros já estavam há anos dando pinta e se desviando das agruras da vida e, hoje, eles se encontram nestes bares e boates para fazer valer a tão preciosa e cara saúde mental para os gays9.
Hoje, vejo no centro de São Paulo, espaços dedicados aos Grisalhos, que podem se dar ao luxo de sentar-se em uma mesa de bar para tomar uma cerveja sem ser incomodados pelos olhos xenofóbicos do Arco-íris. Os Grisalhos se reconhecendo em outros Grisalhos e, na beleza e na dor de serem únicos, de serem Grisalhos.
Meus amigos e minhas amigas, tenho uma confissão a fazer: há um muito tempo atrás, num passeio pela Avenida Paulista, encontrei, num determinado momento, um grupo de bichas pintosas e grisalhas, com brinquinhos à lá Madonna, bermudas jeans justíssimas e cheias de colares e correntes douradas. Aquele grupo era uma epifania de frescuras.
Ai, pensei cá com as minhas ombreiras:
— Que horror! Que bichas pintosas! Que bichas veeeelhas!
E aí meu povo, o tempo me passou e olha aqui, no alto dos meus 52 anos, dando muita pinta e quebrando tudo. Uma legítima representante deste grupo de bichas pintosas da década de 1990 da Avenida Paulista.
E hoje, olhando para traz e para o hoje e refletindo sobre o envelhecer gay presente no Grisalho que tanto ameaça o Arco-íris, penso que, eu passei pelas provas de fogo da transição entre a juventude, a maturidade e a aproximação da velhice. Neste processo tive que lidar e ressignificar o acinzentar do meu cabelo, que também para facilitar o processo, resolveu abandonar a minha cabeça só permanecendo na sua periferia; as minhas novas rugas; a saliência da minha barriga; a redução do tônus muscular e; as novas dores e limites, que me fizeram um novo homem. O que posso contar é que dessa prova de fogo, deixei o meu ideal de Dorian Gray10 para trás, pois não cabia na minha nova existência.
O Grisalho em mim, quer mais à qualidade há quantidade, pois o tempo se apresenta na calma do meu corpo, repousando nas virtudes da minha alma, que para sobreviver, teve que se armar com armas necessárias para enfrentar os fantasmas, que sobreviveram a passagem das minhas idades e que foram redirecionados para algum lugar da minha consciência, pois a vida pede para ser vivida.
O Grisalho é um ato político,
O Grisalho é um ato de resistência,
O Grisalho é um ato de persistência,
O Grisalho, meu povo, é um ato de liberdade.
Por Jean Carlos de Oliveira Dantas
para a coluna De Profundis
Referências Bibliográficas:
1 – Antunes, A. Musica Envelhecer.[acesso 27 ago 2020].Disponível em https://www.vagalume.com.br/arnaldo-antunes/envelhecer.html (ouça no spotify)
2 – SantosMAS (2010). Meu Tempo é Agora. Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. Salvador. 2ª Edição. 2010.
3 -Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Relatório – Tomo I – Parte II – Ditadura e Homossexualidades: Iniciativas da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”. São Paulo. [acesso 27 ago 2020].Disponível em http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-i/downloads/I_Tomo_Parte_2_Ditadura-e-Homossexualidades-Iniciativas-da-Comissao-da-Verdade-do-Estado-de-Sao-Paulo-Rubens-Paiva.pdf
4 – Folha de São Paulo (1995). Fragmento do interrogatório a que Oscar Wilde foi submetido na sessão do quarto dia do segundo julgamento – 30 de abril de 1895. O Julgamento. Tradução de Gentil de Faria. Caderno + Mais da Folha de São Paulo. São Paulo. 21/05/1995. [acesso 25 ago 2020].Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/21/mais!/35.html
5 – Folha de São Paulo (1995). Três décadas de sexo, drogas e rock’n’roll. Luiz Antônio Ryff da reportagem local. São Paulo. São Paulo. 24/01/1995. [acesso 25 ago 2020].Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/1/24/caderno_especial/5.html
6 – Carvalho, C. A., & Azevêdo, J. H. P. (2019). Do AZT à PrEP e à PEP: Aids, HIV, movimento LGBTI e jornalismo. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, 13(2). [acesso 21 ago 2020].Disponível em https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1698
7 – Dos Santos, D. K., & de Souza Lago, M. C. (2013). Estilísticas e estéticas do homoerotismo na velhice: narrativas de si. Sexualidad, Salud y Sociedad-Revista Latinoamericana, (15), 113-147. [acesso 23 ago 2020].Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/SexualidadSaludySociedad/article/view/4961
8 – Suassuna, A. (2018). Auto da compadecida. Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 2018.
9 – Villela, W. (2005). Gênero, saúde dos homens e masculinidades. Ciência & Saúde Coletiva, 10, 29-32. [acesso 22 ago 2020].Disponível em https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-BR&as_sdt=0,5&qsp=1&q=sa%C3%BAde+mental+homens+gays&qst=br
10 – Wilde, O. O retrato de Dorian Gray. Edição Bilíngue – primeira versão 1890. São Paulo: Editora Landmark, 2009.
Foto de RF._.studio no Pexels
Respostas de 5
Fiquei grisalho aos 35 anos e “iniciado” aos 27 anos! Aos 52 anos, em 2018, comecei romance com colega de trabalho com 35 anos, que ao contrário de mim, cabelo preto e havia sido pai, recentemente, do segundo filho! Ainda comentei sinal que a esposa trata bem, maroto disse ou o marido a ela! A cor do cabelo é mero detalhe, até transamos perto (sentado nele) ele olhando ai meus cabelos brancos, filosofou: anus acolhedor que fazia ele imaginar cabelos sinalizar experiência! 🙂
Obrigado, meu amigo Cesário. As nossas madeixas grisalhas são a resistência viva da vida.
Se isso não for um texto ESSENCIAL, qual outro seria? É um grito e eu gritei junto dele, lendo cada palavra, sentindo-me redimido, limpo, lavado por dentro e por fora. Ah, como a verdade faz bem! Estou me sentindo Britney Spears em Baby One More Time, de tão nova, atualizada, formatada, de memória RAM limpa.
Graças a quê? A esse jorro de verdade e liberdade que inundou minhas córneas operadas me fazendo gozar uma felicidade que poucas leituras me deram.
Sou seu eterno fã.
Não tem como desfazer isso mais não!
Beijoooooooooooooo, ainda que beijo seja pouco para expressar o amor que eu sinto por esse escritor e essa coluna a partir de agora.
Vou até parar de comentar e ler de novo!
Fui!
Excelente texto que recebe os aplausos deste Gay Grisalho muito bem resolvido aos 61 anos!
Lindo demais ??????