Sigo no segmento música e cultura, porque acredito mesmo na força transformadora que advém daí. O título é um trecho da canção “Caça à raposa”, letra do saudoso Aldir Blanc, musicada pelo João Bosco e imortalizada na voz da também saudosa Elis Regina.
Para além da qualidade da obra, esperada dos gênios citados, gostaria de pensar na sua comunicação, naquilo que expressa e transmite a quem ouve. Não tenho, e na verdade me falta talento para tanto, a pretensão de analisar a letra, seja em seu mote filosófico ou não. Aqui me resguardo o direito de ser despretensioso, por ser mais seguro e menos vaidoso.
Nesse período de quarentena, tão longo e sofrido, é normal ocorrer alguns surtos e crises de ansiedade, de se pegar pensando no passado e em tudo que foi e poderia ter sido. É tão perigoso quanto, para gastarmos o português, contraproducente. Pensar no passado como quem olha diante de um poço e buscar entender as imagens e até senti-las é um ato letárgico à medida que te impede de seguir, de ver adiante no horizonte que é a vida.
Eu mesmo travo uma luta diária para não cair nesses casos, pois já adiei muitos projetos e planos por estar preso em um passado ou uma ideia dele. Às vezes culpo o signo, câncer com lua em peixes (aí já viu né), mas a verdade é que sempre arranjamos desculpas para não seguir. Por isso é tão importante deixar as coisas que ficaram, sempre olhar a frente e ter o máximo de cuidado consigo mesmo. Ter carinho ao olhar para si, cuidar da própria saúde mental, se entender e compreender.
A música Caça à Raposa é sobre isso, é sobre os eternos recomeços que a vida nos impõe, recomeçar diante tantas coisas. “Recomeçar como as canções e epidemias”. Sempre será sobre isso, viver e reviver. Nos deparamos diariamente com dificuldades, e o próprio músico João Bosco fala que é preciso recomeçar com “as colheitas, com o fogo e a paixão”. É sobre se sentir forte, crescer e ir em frente.
Outra frase que me fez pensar sobre o assunto que aqui conversamos é do escritor José Saramago, no livro A viagem do Elefante. Diz ele “O passado é um imenso pedregal que muitos gostariam de percorrer como se de uma autoestrada se tratasse, enquanto outros, pacientemente, vão de pedra em pedra, e as levantam, porque precisam de saber o que há por baixo delas”.
Talvez o tenha tirado de contexto, e me dou esta liberdade, mas a frase por si só é bastante forte e explicativa para que o leitor já a entenda de outra forma e isolada do restante do texto. Fato é que enquanto alguns seguem a viagem e, ainda que se pare a admirar as paisagens, e é certo que o faça, segue constantemente em frente. Não devemos parar para olhar debaixo das pedras, não tempo demais a perder a caminhada, apenas lances para aprendermos algo que ali se vivenciou. Mas nunca viver o passado, porque isso é impossível.
Enfim, neste período difícil e em todos, é preciso cuidar de si e não cair nas próprias armadilhas da mente. Sei que por vezes é um lugar seguro [o passado], ou pensamos que seja, onde podemos ficar quietos sem muitos problemas, mas o que nos cobra a vida é coragem, assim só pode ser seguindo em frente. O sabor de tudo é o imperativo do recomeço: Recomeçar como a paixão e o fogo.
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Foto de Luis Quintero no Pexels