Diva da Adm. Pública |
Diva Dengosa
Olá, Little Divos, como estão? Ansiosos para nosso novo papo? Ou se rasgando em desespero para lerem novamente as palavras que eu escrevo? Queridos e queridas deste Brasil, que acompanham desde a década de 60 minha trajetória de sucesso na carreira pública, vocês não imaginam o que aconteceu semana passada com sua diva púbica favorita.
Estava eu belíssima, divônica, emprestando meu carisma, originalidade, ousadia e talento para a máquina pública do Estado de São Paulo durante a tarde, assinando milhares de processos que precisavam da minha rubrica… Não adianta, a administração pública não sobrevive sem meu glamour e meu fenômeno feminino estatal.
E comecei a me sentir um pouco mal. Não havia comido nada no almoço, estava sem apetite. Desde manhã com dores de cabeça, febre e um cansaço extremo no corpo, não queria ir ao médico, pois os cidadãos precisavam de mim lá na repartição. Acreditava que estes sintomas poderiam ser apenas consequências da viagem a Paris do final de semana, que fiz para comprar casacos de pele falsa e aguentar este friozinho da capital. Estava exaurida.
Como comecei a sentir um pouco de náuseas e dores atrás dos olhos, que atrapalhava a assinatura das 4218 folhas que ainda precisavam de mim, me preocupei e liguei para minha amiga, Katlyn Eduarda, que tem uma linda vivência no setor público, com especialidade em questões que envolvem direitos, leis e justiça:
– Katlyn Eduarda?
– Diva! A Senhora me ligando a esta hora? Que estranho. Você não costuma perder um segundo do seu dia na repartição. O que houve?
Expliquei a ela tudo o que estava sentindo, inclusive as manchinhas vermelhas que apareceram em meu corpo. A Katlyn, que conhece muito de tudo, disse-me que poderia ser dengue. E me questionou se conhecia um médico confiável. Quando ia dizer a ela que eu ajudei a fundar o Sistema Único de Saúde no Brasil, ouvi um barulho na porta da minha sala na repartição.
Pedi para Katlyn esperar um minuto na linha. Quando olhei para a porta, havia um cartão que alguém colocou por debaixo da mesma, um cartão de visitas em que se lia: “MÉDICA ESPECIALIZADA EM DENGUE, DRA. SUZANETE VITÓRIA”. Havia a indicação do hospital que ela trabalhava, com seu horário de atendimento. Voltei ao telefone:
– Minha mamma Katlyn Eduarda, se eu te contar o que acabou de acontecer, a senhora faria check-in no chão de tão surpresa que ficaria.
– Que foi, Diva da Administração Pública? Não me deixe nervosa!
– Acredita que, assim que você disse que eu posso estar com dengue, alguém colocou um cartão embaixo da porta? De uma tal de… Drª Suzanete Vitória, especialista nesta doença. Que coincidência, não?
– Sim, Diva. Deve ser um sinal dos céus. Melhor visitá-la, o que acha? Afinal de contas, você não está bem de saúde. Precisa mesmo de um médico.
Pensei sobre a proposta da Katlyn. Pesquisei se a Drª Suzanete possuía cadastro no Conselho Regional de Medicina, que todos os médicos possuem. E vi que ela era realmente médica ativa do sistema de saúde. Resolvi visita-la imediatamente, uma vez que me sentia cada vez pior.
Cheguei ao hospital público em que ela trabalhava. Quando me viram, rapidamente, as recepcionistas vieram me atender, pois reconheceram meu rosto da capa das revistas de administração pública. Pedi para falar com a Drª Suzanete Vitória, que veio sem demora e com sorriso estranho no rosto. Fomos à sala dela. Enquanto eu relatava com dificuldades o que estava sentindo, ela me olhava nos olhos e prestava atenção em cada palavra.
Achei aquilo muito estranho. Nunca vi um médico público prestar atenção em tudo o que os pacientes relatam, muito menos olhar nos olhos do paciente. Meu instinto de sobrevivência do setor público (que é igual ao do Homem Aranha, mas que só funciona com problemas na burocracia Estatal) ficou em alerta e me mostrou que algo estava errado. Drª Suzanete puxou um bloquinho de atestados e, rindo, escrevia tresloucadamente. Era um atestado médico de afastamento do trabalho, com duração de 15 dias.
Olhei incrédula para o papel. Lá constava a informação de que eu realmente estava com dengue. E este afastamento me obrigaria a ser periciada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – o INSS – afastando-me do trabalho no setor público, que com certeza ruiria sem minha presença.
Tentei explicar à Doutora que eu não poderia afastar-me do Estado, que os cidadãos de São Paulo dependem do meu trabalho, que eu sou a Diva da Administração Pública, entre outros motivos óbvios. Mas ela foi resoluta e disse que eu iria me afastar sim. Comecei até a sapatear meus Louboutins de ódio da médica, gritando:
– QUERIDA, VEJA BEM, VOCÊ NÃO PODE ME AFASTAR! EU SOU A DIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA! VOCÊ NÃO PODE ME AFASTAR! O ESTADO NECESSITA DE MIM, SUA LOUCA! VOCÊ NÃO PODE ME AFAS…
E de repente tudo começou a ficar mais lento, comecei a perder a visão das coisas… Acordei com os braços e pernas amarrados. Desesperada, com febre, fraca, com todos os sintomas da dengue, não sabia o que fazer para sair daquela situação. Só conseguia pensar na população brasileira, nos papéis que eu preciso assinar, no quanto o Estado estava sofrendo sem mim. A burocracia brasileira corria perigo e eu precisava fazer algo.
Ao notar meu desespero, a Drª Suzanete Vitória começou a rir ensandecida, segurando uma seringa que pressionava contra seus lábios, com a qual ela aplicou um sedativo para que eu desmaiasse, dizendo:
– DIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA… FINALMENTE PODEREI ME VINGAR!!! HAHAHA! VOCÊ NÃO ME CONHECE. MAS EU TE CONHEÇO. SOU A IRMÃ DA MARGARIDA HOLLIDAY FUEGO, A SERVIDORA QUE VOCÊ PROCESSOU ADMINISTRATIVAMENTE NO ANO PASSADO E CONSEGUIU MANDAR EMBORA DO SETOR PÚBLICO!
– Ela era uma péssima servidora… Toda semana ela trazia um atestado de saúde diferente… Ela fazia de tudo para faltar no trabalho… Não gostava de atender os cidadãos… Eles têm direitos… O cidadão paga imposto para ter serviços de qualidade… Sua irmã era uma… fraude… – Eu disse, com dificuldades, lutando contra os sedativos e encarava o rosto enfurecido dela.
– EU DEI TODOS OS ATESTADOS DELA, SUA DIVA DE ARAQUE! E, SE DESEJA SABER, QUEM SOLTOU TRÊS MOSQUITOS DA DENGUE NO SEU QUARTO EM PARIS FUI EU!!! EU!!! AHAHAHAHA! CRIEI TODO ESTE PLANO PARA AFASTAR VOCÊ DO SETOR PÚBLICO! “SASHE, AWAY” DO SETOR PÚBLICO, BITCH! HAHAHAHAHA!
Meu desespero atingia o ápice. Fechei os olhos e fiz uma oração a todos aqueles estudiosos que pesquisaram sobre o setor público. A febre era tão alta que comecei a delirar… Vi uma luz divina abrindo-se do teto, com um som de canto de coro dos anjos dizendo “óóóóóó”. Atrás da Drª Suzanete, vi a aparição dele: WEBER! O espírito dele veio me salvar! Eu seria salva!
Enquanto eu chorava de emoção e quase cedia ao sono, vi o espírito de Weber derrubar sobre a cabeça da médica o suporte de soro. E a Drª Suzanete Vitória caiu prostrada no chão, imersa em sua derrota. O que vi em seguida foram apenas flashes de memória – a porta se abrindo, minha amiga Katlyn entrando com um policial musculoso e com barba, parecendo um americano, que nos meus ouvidos disse-me:
-“Diva… Shante… You stay…”. Desfaleci.
Mais de uma semana se passou e começo a me sentir recuperada, Little Divos. E com novidades: a médica monstra teve seu registro profissional cassado e foi exonerada do setor público.
Aquela doença me fez tão mal que hoje peço, encarecidamente, que vocês deixem as caixas de água da casa de vocês higienizada e fechada; removam qualquer impedimento para que a água não escorra nas calhas ou lajes; coloquem areia nos pratinhos dos vasos de plantas; guardem garrafas de ponta cabeça e não acumulem pneus em casa.
Por favor, meus amores, não quero ter novamente esta doença pavorosa por conta de vocês que tanto amo. Afinal de contas, só sou a Diva da Administração Pública para servir vocês.
Cuidem de mim, também.
Beijos públicos a todos vocês, little divos!
Até a próxima.