Crônica: Arco-íris circular (ou halo solar)

Halo Solar (Paula Sleiman/Unsplash)

“Socorro!” A mensagem é clara: estamos em perigo. Em um impulso coletivo de sobrevivência, meu grupo corre para dentro do prédio da biblioteca: um casarão histórico que fica no centro de uma grande área verde. Poderia até ser considerado um parque, se não fosse pelos livros.

Minha reação seguinte é tentar entender o que causou tal espanto. Olho para minha amiga e pergunto: “O que houve!?” Ela, aos prantos, aponta para a direção da árvore da qual estávamos colhendo pitangas – nossa tradição do horário de almoço – e diz: “Uma borboleta! Ela pousou em mim!” Então, a gente entra em uma deliciosa crise de riso.

Não me entenda mal. Não é de nossa índole julgar as fobias alheias. Nossa risada era de alívio, afinal, não havia perigo nenhum. Apenas uma resposta exagerada a um pequeno inseto que, segundo minha própria amiga, poderia estar associado a algum trauma de infância. A mente é um mundo único, complexo e particular. E eu sempre achei isso fascinante.

Eu, inclusive, nem poderia julgar. Já tive uma reação bem parecida quando uma abelha pousou em mim. E eu me lembro exatamente quando minha apifobia começou: meu eu-criança caminhava com os pés descalços pela rua e acabou pisando em uma abelha. Jamais saberei o motivo de ela estar no chão, mas me lembro nitidamente da dor. Desde então, eu tremo quando uma abelha se aproxima.
Após o susto, as risadas e a recuperação, seguimos de volta para o trabalho. É um caminho bem curto, pois a biblioteca fica bem na esquina da rua da editora em que trabalhamos. Ao caminhar, notei que algumas pessoas estavam apontando para o céu como se fosse algo mágico. E, quando eu mesmo olho, concluo que de fato era.

Havia um arco-íris. Mas não qualquer arco-íris. Aquele era diferente: estava em forma de um círculo ao redor do sol. Fiquei sem ar, era uma das coisas mais lindas que já havia visto! Eu precisava saber como aquilo era possível. E, naquele mesmo dia, descobri que o fenômeno necessita de condições meteorológicas bastante específicas para se formar e que seu nome era halo solar.
Assim como meu fascínio pela mente, eu também sou apaixonado pelas formas que um raio de luz pode criar. Um dia quero poder viajar para algum lugar do hemisfério norte para apreciar uma aurora boreal. Li em algum lugar que não basta apenas chegar lá e assistir como se fosse um filme, fenômenos como esse são difíceis de prever. Existem, inclusive, pessoas que passam dias esperando e que voltam frustradas para suas casas. Ao menos, estou satisfeito de já ter visto algo de igual valor.

Eu estudei que apesar de vermos a luz na cor branca, seu espectro possui milhares de variações, o que inclui cores que são invisíveis aos olhos humanos. O mesmo acontece com a mente. Eu acredito que, mesmo seguindo certos padrões, cada pessoa é única.

Pensa comigo: mesmo que haja dois cérebros biologicamente idênticos, cada um de nós é moldado por uma combinação de fatores: cultura, etnia, gênero, orientação sexual, lugar de nascimento, a forma como crescemos, nossas reações ao mundo, traumas, acesso à educação, condição financeira, além, claro, de decisões e mudanças ao longo da vida. Dá para passar horas filosofando sobre o que nos torna quem somos. Ao mesmo tempo, compartilhamos sonhos, paixões, ambições, temperamentos e comportamentos. O que nos torna um coletivo.

A formação da nossa personalidade é algo extremamente complexo e lindo de se ver. Cada pessoa tem sua própria forma de ver o mundo e de reagir a ele. Por isso é tão injusto quando a gente se compara a outras pessoas. A gente se sente tão inferior por tantas vezes que esquece que o nosso o caminho percorrido é único. As pessoas não têm as mesmas 24 horas. Enquanto um ou outro estão se aperfeiçoando, nós estamos usando a mesma energia pra simplesmente sobreviver.

Caetano canta há décadas que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

Minha amiga tem medo de borboletas… mas, se você parar para pensar, este é um assunto mais complexo do que se parece.