Agora, falando sério…

Começamos o ano de 2025 com um desafio muito grande. No Brasil, assim como no mundo inteiro, temos uma situação política marcada pela polarização. Além disso, uma situação econômica marcada pela desigualdade social. Polarização política e desigualdade social atravessam outras tantas lutas e problemas. Por exemplo, a polarização entre esquerda e direita produz barganhas políticas e uma rifa de direitos humanos e da dignidade da população. Minorias, como a população LGBTQIAPN+, ou mesmo as maiorias oprimidas, como negros e mulheres, veem seus direitos básicos sendo ora negados, ora divulgados em movimentos de avanço e retrocesso político.

Nesse ínterim, cabe à população se organizar por aquilo que acredita. Infelizmente, num ambiente polarizado, isso vai acontecer com pessoas que desejam o oposto dos direitos humanos, ou seja, a continuidade das formas de desigualdade e secessão. E, hoje em dia, infelizmente, quem é oposto aos direitos humanos toma espaços públicos: escolas, púlpitos, altares, tribunas, salas de aula. Estabelece-se uma luta indigna entre verdade e mentira, entre certo e errado que não deveria acontecer. Há uma luta de classes que se distribui em vários eixos. Isso precisa ser explicado melhor.

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Quando falamos em “esquerda” e “direita”, fazemos referência ao conservadorismo e ao progressismo, aos grupos que se opunham na Assembleia Nacional à época da Revolução Francesa. Àquela época, a direita defendia o status quo, enquanto a esquerda defendia mudanças radicais. Esse posicionamento físico dos partidários da política francesa à época da Revolução, no entanto, não significa exatamente que as coisas sejam tão simples. A sociedade francesa era dividida em nobreza, clero, burguesia e povo. Isso refletia, de certa forma, os estamentos medievais: servos, nobres, clero e a nascente burguesia, habitante das cidades europeias.

O mercantilismo enriqueceu a burguesia, ao mesmo tempo que nutriu a nobreza de impostos e mais poder, com a criação das monarquias nacionais. Basta que lembremos que Espanha e Portugal, os principais colonizadores da América do Sul, eram governados por reis e rainhas. Nobres com títulos (príncipes, princesas, duques, duquesas, condes, condessas etc.) ocupavam posições importantes no governo. Eram famílias poderosas, com influência e poder o suficiente para manterem a monarquia funcionando. A burguesia, que se ocupava de diversas atividades na cidade, enriquecia com o desenvolvimento econômico, mas não tinha pedigree para alcançar o poder, mesmo quando conseguia comprar títulos nobiliárquicos. Aliás, essa assimilação era negativa. Os burgueses que, com muita dificuldade, por meio de influência e casamento arranjado, conseguia um título de barão e baronesa, por exemplo, eram absorvidos pela nobreza e passavam a serem contados como parte dessa classe econômica e política.

A principal diferença entre a burguesia e a nobreza não era apenas a heráldica, a nobiliarquia. Mas o trabalho. Os burgueses eram trabalhadores abastados, donos de postos de emprego e tinham concentração de renda em suas mãos, a ponto de alguns burgueses se equipararem aos nobres, em riqueza. Mas nunca em poder político. Os burgueses eram a elite dos trabalhadores que sustentavam o clero e a nobreza. Do lombo dos pobres e burgueses é que saíam os luxos de reis e nobres parasitários. A pirâmide social não se movia facilmente e foi necessário um ciclo de revoluções que duraram parte do século XVII, todo o século XVIII e parte do século XIX para acontecer. Revolução Inglesa, Revolução Gloriosa, Revolução Francesa, Revolução Industrial e a independência das colônias americanas foi um exemplo de lutas que trouxeram novidades sociopolíticas que sacudiram a Europa.

Isso tudo foi muito importante para que surgissem novas ciências e saberes que passaram a movimentar o mundo europeu e suas colônias. A medicina, a sociologia, a história… Uma série de novas formas de ver as coisas, a partir de uma perspectiva material. Sentado à esquerda, na Assembleia Nacional, o povo e a burguesia viram a oportunidade de criar formas de governo que pudessem ser mais positivas, no sentido de verdadeiras, guiadas por saberes que, de fato, pudessem compreender a dinâmica do trabalho, da produção das riquezas e da manutenção do bem-estar da população. O trabalho é muito importante. O mundo industrial se inicia precisando da mão-de-obra da população. Trabalhadores que possam também ser consumidores do produto de seu próprio trabalho, formação de mercado, impostos, mais impostos, renda, lucros.

Os governos também se organizaram como empresas capitalistas para comandar melhor a população, inaugurando uma engenharia social baseada na economia política. Surge disso, uma nova esquerda. Se antes, a esquerda trouxe a burguesia ao poder com as tais revoluções, agora há uma resistência ao capitalismo: o socialismo, em suas vertentes. A burguesia se torna um monstro incontrolável, ao substituir a nobreza no poder, ao diminuir a influência do clero na determinação dos saberes que organizam a sociedade. Surge a figura do capitalista que acumula mais riqueza do que o necessário. A figura do bilionário ultrapoderoso, cunhado pela economia norte-americana do início do século XX, é herdeira direta do capitalista industrial burguês da Europa do século XIX.

A esquerda desde então, torna-se opositora ao capitalismo. O comunismo e as formas diversas de socialismo passam por essa oposição. A burguesia, ao tomar o lugar da nobreza também se concilia com os valores da classe dissolvida pelo tempo: religião, tradição, conservadorismo, formação de castas políticas e uso do poder sobre a vida para a manutenção do poder. O século passado foi pleno de exemplos de países que, comandados pela burguesia, tornaram-se antidemocráticos, ditatoriais ou desenvolveram formas de governo que garantem a manutenção de privilégios para os mais ricos. O passado de esquerda e contestação da burguesia logo sumiu. Por isso, nenhuma empatia da atual classe dominante com os mais fracos. Na verdade, se analisarmos bem, mesmo a burguesia revolucionária europeia dos séculos XVII a XIX usaram a parte mais pobre da população para reforçar seu discurso. Depois como massa trabalhadora explorada e, por fim, como eleitores devotados de personalidades políticas endeusadas.

Essa esquerda que se opõe à burguesia no início do século XX é ainda a mesma de hoje: formada por trabalhadores ou intelectuais burgueses que se identificam com a massa trabalhadora. Ainda que tenha conseguido representação política, a esquerda não consegue reverter a ordem das coisas: os detentores da riqueza continuam os mesmos, ainda que sejam governados pela esquerda. Não importa se prefeitos, vereadores, governadores, deputados, senadores ou presidentes sejam de esquerda. Em países capitalistas, eles têm apenas uma opinião muito diferente da direita. Geralmente tentam garantir  a economia de mercado (em primeiro lugar) junto com o máximo possível de justiça social (mesmo quando isso é impossível de acontecer ao mesmo tempo).

Esquerda e direita brigam, em países capitalistas, por algo que não é muito objetivo: o enxugar gelo da política. A direita quer manter privilégios dos ricos, mesmo que isso signfique ser destrutiva e injusta com os mais pobres. Mesmo que isso signifique depredar o planeta e gastar todos os recursos naturais em favor de poucos. A esquerda, por sua vez, quer manter o capitalismo e acaba, com isso, abrindo espaço para que a direita a critique, a suplante, a destrone de vez em quando. A justiça social que a esquerda tanto quer parece fugidia, ante os planos da classe dominante em melhorar cada vez mais a sua condição de vida, enquanto os mais pobres perecem. Entre os mais ricos e os mais pobres há ainda uma classe que pode se mover de posição social. Alguns acreditam que podem, com sorte e esforço, alcançar o mesmo lugar que um bilionário. Outros mostram empatia com os menos favorecidos e tentam organizá-los politicamente. Mas os tempos mudaram. A polarização política que vivemos hoje está longe de ser a polarização poderosa e eficiente da época da Revolução Francesa.

A esquerda sempre há de ter problemas em ser eleita. E quando for eleita, sempre terá problemas em governar. Porque seu sucesso depende da adesão da população aos Direitos Humanos. Quando eles realmente valerem, a divisão entre esquerda e direita vai mudar de orientação. Mas essa adesão aos Direitos Humanos é muito delicada, porque há em curso um desmonte da educação, saúde e segurança públicas. A justiça também é menos eficiente, à medida em que se aproxima dos mais pobres. O acesso aos benefícios do estado democrático depende de instrução e trabalho. Ao gerir o desemprego como estratégia de poder e, ao mesmo tempo, dificultar o acesso ao que é básico, a direita diminui a força da esquerda, desestabiliza a classe trabalhadora. Daí, quando a esquerda toma o poder de novo, há um enorme atraso a se vencer, antes de qualquer forma de progresso. Por isso a esquerda perdeu eleições na Europa. Por isso, o Partido Democrata (o mais parecido o possível com uma esquerda na dinâmica eleitoral dos Estados Unidos da América) perdeu as eleições em 2024. Por isso vários partidos de direita tomaram o poder em eleições ou em golpes pelo mundo inteiro no universo da influência dos países europeus e sua periferia (ex-colônias).

A esquerda quer um capitalismo com benefícios para todos, mesmo que esses benefícios não signifiquem a destituição da pobreza. No entanto, a renda é finita. Se ela passa às mãos de uma pessoa mais pobre, significa que um bilionário está deixando de ganhá-la. No nosso atual mundo, não há pecado pior que esse. Como os mais ricos são articuladores do poder, mantêm seus tentáculos dentro das instituições democráticas, a fim de sempre poder justificar seus privilégios. De qualquer forma, os mais pobres estão no jogo, não podem mais deixar de ser ouvidos.

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Talvez por isso a direita sempre tente buscar alternativas ditatoriais ao poder democrático, porque todos sabem que há um vai-e-vem no poder. E tudo é sobre poder, sobre influências e controle sobre as coisas. Num cenário em que os partidos de esquerda manterão sem maiores problemas a economia de mercado, do que a direita tem medo? Talvez seja uma briga por identidade de classe. Dividir o poder é insustentável para quem possui muito dinheiro. Não importa que partido X ou Y ganhe e que isso signifique que a companhia Z vai continuar suas atividades econômicas a todo o vapor. O importante é que a companhia Z precisa manter muitos deputados, senadores, governadores e até presidentes na sua mão, interferindo num poder que não é de sua alçada. O desejo plutocrático dos bilionários é a dissolução da política mundial em favor de seus desejos de enriquecimento ainda maior.

O que fazer então? A princípio, democratizar o poder ainda mais, ampliar a distribuição de poder e renda e proporcionar melhor qualidade dos serviços públicos. Contra a plutocracia, infelizmente, a única saída é a distribuição forçosa da renda de maneira igualitária entre todos. Fazer isso de maneira pacífica é o real desafio das gerações que pretendem herdar esse planeta e deixá-lo para as próximas gerações. Somos o que somos porque servimos aos mais ricos. Eles que nos fizeram crescer e multiplicar aos bilhões para sermos mão de obra produtora de suas riquezas. Destruímos, consumimos, poluímos e degradamos porque consumimos aquilo que produzimos porque eles assim querem. Precisamos repensar isso tudo e parece ser difícil ver uma saída quando a sombra desse tipo de opressão nos oculta.

Por Alex Mendes

para sua coluna O Poder Que Queremos

 

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