Esta é a parte dois sobre os impostos, no qual iremos discutir um pouco sobre como o Brasil organiza seus impostos, inclusive desmentido algumas mentiras que são comumente propagadas. Se você não leu a primeira parte, eu recomendo começar por lá. Mas vamos começar este assunto complicado.
Antes de tudo, vamos para uma grande questão: O Brasil é o país que mais arrecada impostos? Você deve ter ouvido que sim, mas a resposta é não. Em 2023, o Brasil teve uma carga tributária de 32,42%, 0,63% a menos que em 2022. Esse valor fica abaixo de diversos países como Suécia (44%), Itália (43%), Finlândia (42%), Dinamarca (44%), França (43%, com a curiosidade de que a França ainda arrecada imposto de alguns países africanos) e outros. Mas porque tem gente que divulga que a gente e o que mais tem imposto? Porque querem manipular a opinião pública divulgando meias verdades.
Podemos separar os tipos de imposto em dois grupos: os impostos que incidem sobre produtos e serviços e os impostos de renda. O Brasil tem atualmente uma distribuição que pesa mais nos impostos sobre produtos que nos impostos de renda. Enquanto no primeiro a gente tem um dos maiores percentuais do mundo, no segundo, a gente não fica nem nas 80 primeiras posições no ranking. E pegando somente os dados dos impostos sobre produtos e serviços que parte da mídia consegue dizer que “o Brasil tem o maior imposto do mundo” deixando para as notas de rodapé que eles estão falando somente de uma parte dos impostos (e quase ninguém lê os artigos completos).
Agora iremos aprofundar mais no assunto, entendendo cada um desses grupos e os problemas que eles realmente apresentam. Vamos começar pelos impostos de renda. Antes de tudo,vamos explicar como esse imposto é calculado atualmente. Quase todas as fontes de renda no Brasil devem pagar imposto de renda. Há algumas exceções como doações, dividendos e heranças. No que for tributável,vai seguir a tabela do ano. Imagina que você precisa colocar todo seu dinheiro em caixas, só que cada caixa tem um limite e uma taxa para o valor colocado dentro dela. A primeira caixa é sempre isento de imposto, então você coloca lá e não paga nada. Se seus ganhos couberam todos lá, você não paga imposto de renda. Mas se não couber, você vai para a segunda caixa, você atualmente paga 7,5%, mas somente sobre o que você coloca nela. E por aí vai, até que todo seu rendimento tributável esteja nessas caixas. Essa conta normalmente é feita pelo seu empregador e é descontada direto da fonte, então você nem vê a cor dele.
Só que tem gastos que você faz que torna uma renda tributável em uma renda sem tributo, são os gastos dedutíveis do imposto de renda. Esses são gastos essenciais, geralmente de serviços que são disponibilizados pelo governo como saúde e educação privada. Você paga um plano de saúde? Isso reduz o seu imposto de renda. Paga escola para seus filhos? também reduz. Só que essas deduções não são calculadas na fonte e por isso temos que fazer todo ano a declaração de imposto de renda. Esse processo serve para corrigir erros de cálculo, que podem ser para baixo (geralmente é para quem tem imposto retido na fonte) ou para cima. Se for para cima, você recebe o boleto para pagar, se for para baixo, você recebe o dinheiro de volta, seguindo o cronograma do governo (se fizer mais cedo, acaba recebendo mais rápido).
Entendendo isso, torna mais claro o porquê de algumas pessoas chamarem nosso país de paraíso fiscal. A última faixa atualmente é de 27,5%, mas como tem a parte com menos imposto, como expliquei, então a taxa efetiva vai ser sempre menor que essa. Esse valor é menor que mais de 80 países, como eu tinha dito antes. Para comparação, a Suécia cobra até 52% de IR, O Japão e a Dinamarca cobram até 56%, o Reino Unido até 45%, os Estados Unidos até 37%. Ou seja, a gente na verdade vai contra a tendência mundial, principalmente de países ricos. E isso na verdade é um problema. O imposto de renda é uma forma mais equilibrada de distribuir os impostos, se é mais pobre paga menos ou até não paga, se é mais rico, paga mais. E ao deixarmos uma tabela que pega tão leve para quem está no topo, isso acaba sobrecarregando a população nos impostos sob produtos e serviços.
E para terminar este ponto, vamos falar da quentíssima proposta do Haddad para o IR, que é aumentar muito a isenção de IR, passando a ser de até 5 mil reais. Esse valor vai tornar mais de 90% da população brasileira totalmente isenta de imposto. Mas toda mudança de imposto que gere redução de receita pública deve ter a comprovação de uma compensação que garanta a saúde das contas do governo. A proposta então prevê a criação de uma nova tabela de cobrança de valores para pessoas que recebam a partir de 50 mil por mês, que vai chegar a 10% para quem ganha mais de 84 mil por mês (ou um milhão por ano). Como vocês podem ver, as pessoas com maior rendimento no país ainda vão pagar menos IR que se paga nos Estados Unidos. E assim a gente percebe que as falas de que os ricos vão sair do país por que vai ficar insustentável não são tão verdadeiras assim.
E quando essa mudança vai acontecer? Como ainda não foi aprovada essa mudança nem sabemos se vai se tornar real, mas a expectativa é que entre em vigor em 2026. A minha especulação é que a escolha do período que está acontecendo teve relação com alguns movimentos políticos: provavelmente não houve tempo hábil para que a proposta fosse completamente desenhada ainda nos primeiros meses deste ano, que seria o tempo ideal para aprovação para valer no ano seguinte (tem a ver com os cronogramas das leis orçamentárias que não irei explicar por agora). Outro ponto é a dificuldade de fazer o congresso apoiar esse projeto. Esse anúncio ter sido feito agora em novembro aproveita tanto a perda de popularidade da direita com a polêmica em torno da proposta de redução de jornada e dos crimes do Bolsonaro, quanto uma proximidade com as eleições de 2026 (parece longe, mas os movimentos para a eleição começam sempre no ano anterior, e quem não vai querer usar de propaganda política que votou a favor da redução de imposto que as pessoas estarão desfrutando em 2026?)
Bem,por enquanto é isso. Na próxima parte (e ultima eu acho) falaremos mais sobre os impostos sobre produtos e serviços e a reforma tributária. Aguardo vocês lá.