Uma Deusa, uma Louca, uma Feiticeira

Quando o Marcos e o Péricles me convidaram para escrever aqui no site, tenho que admitir que eu quase não aceitei. Claro, fiquei muito feliz, mas o receio de não fazer um bom texto, de ser meio patética, era (ainda é) grande. Como meu primeiro texto, resolvi fazer um paralelo de mitologia irlandesa e biologia das pessoas com útero. Para isso precisamos voltar uns meses atrás.

Após o Samhain (01/05), uma bruxa virou para mim e disse que eu precisava me reconectar com meu sagrado feminino. Quando falo bruxa, não é uma pessoa física e isso é bem importante, pois se fosse, eu só teria mandado para… Ok, mesmo assim eu QUASE a mandei. 

Aqui cabe um detalhe: eu ABOMINO o sagrado feminino que só abraça a questão uterina e exclui pessoas não binárias e mulheres trans, além de não respeitarem homens trans como homens. Também aqueles que até abraçam, mas tratam deusas femininas como algo só dentro do que nossa sociedade ocidentalizada considera feminino. Mesmo assim, não posso negar que odiar meu útero é odiar algo em mim que se eu tirar precisarei de muito remédio para repor os hormônios e se tem algo que odeio mais que o meu útero é: médico e remédios. Agora, você deve estar achando estranho eu me abrir tanto do nada no primeiro texto, você nem me conhece, mas juro juradinho que isso está muito relacionado com o ponto que quero chegar.

Olhando o outro caminho para nossa resolução, eu trabalho com uma deusa, que é um deus, que é ume deuse que por muitos é só chamada para trabalhos pontuais por medo de sua fúria. Seu nome é Badb, talvez você conheça sua irmã gêmea Mórrigan, talvez sua irmã Macha, mas Badb é para poucos. As três são deusas da guerra, cada uma representando uma etapa dela.

Certo, Renata, parabéns, uma coisa não conecta com a outra. Amei te conhecer. Tchau.

É ai que eu quero chegar! Como disse no início do texto, ele é sobre mitologia irlandesa e útero. Vamos costurar. 

Durante um período, entre o fim da menstruação e o início da famosa TPM (tensão pré-menstrual) o corpo é algo imponente, nossa cabeça está mais calma e mais estrategista. Nesse ponto seria uma vivência mais próxima de Mórrigan, a irmã mais velha, a general, aquela que planeja como a batalha será. Conforme os dias vão passando, Mórrigan vai se encontrando com sua gêmea, Badb, então  passamos a ter um brilho mais atraente, que se chama ovulação.

Então passamos para a tão temida TPM. Aqui já foi comprovado que temos alterações hormonais, onde temos uma queda na produção de progesterona e estrogênio, o que nos deixa mais voláteis a mudança de humor, pois interfere diretamente nas transmissões neurais. Neste momento Badb domina por completo, pois é tanto uma bruxa atraente como um dos guerreiros mais vorazes do reino, um campeão. Badb é o caos, o pavor dos inimigos, aquela que os seduz antes da batalha para trucidá-los durante a luta.

Então como guerreires, sangramos e nos recolhemos. Temos a dor da ferida profunda da implosão dos vasos sanguíneos no útero. Chegando em Macha, que cai em dor de parto (ou cólica, neste caso), amaldiçoa seus inimigos e se recolhe. Macha é aquela que devora as cabeças dos mortos que a desafiaram, nunca duvide da capacidade de uma pessoa que permanece viva enquanto sangra mensalmente. 

Amarrei tudo, gostaram? A minha conclusão? Não sei, só sei que uma trindade de deusas que seguem o ciclo menstrual da sua forma mais visceral e monstruosa me parece muito mais plausível do que o tríplice: Jovem, Mãe e Anciã, que trás uma obrigação de você que tem útero só alcançar o sagrado com a maternidade. Isso vai me fazer amar meu útero e minha menstruação? Não sei, provavelmente não, mas sim aceitar mais esse ciclo. E você?

Foto de capa por RDNE Stock project de Pexels.