em pensar que em 16

em pensar que em 16
eles estavam lá.
não havia acontecido
ainda 17.
voltar aos 17
no meu caso
é voltar para
as consequências que os
trouxeram para cá.
em pensar que meu tio Vicente
escreveu seu nome
na fotografia.
e a legenda Lituânia
faltando acento circunflexo.
aguda memória agora.
iminência de eu ir à feira.
é inverno.
na palavra concentrada
temperatura.
sol rompendo tardio.
em pensar que eu em idade de ser avô
vejo meu bisavô alfaiate
em uma das Repúblicas soviéticas.
em pensar que, tal qual o sol tardio
de hoje, vejo apenas hoje tia Júlia,
aquela que imigrou para o Uruguai,
e com quem nunca estive.
em pensar que eu, envelhecendo
em velocidade de Covid,
somente hoje vi meu avô
criança.
procuro na fotografia
uma explicação vã,
uma genética.
estou e não ali.
falta no preto e branco sobrevivente
a melancolia herdada da outra árvore.
na árvore observada
vejo nitidamente meu pai sentando no colo
de minha bisavó.
é um sem tirar nem pôr idêntico ao tio Vicente
na idade do bebê no colo.
procuro um espelho.
abandonada qualquer tentativa de explicação
me aproximo dentro, me incluo.
sou tanto o olho vedor quanto a taquicardia.
quando retiro os olhos da fotografia
o sol em sua luz claríssima
não me esquenta,
mas uma persona familiar me vigia.
voltei a 16.
aos 17 eu ainda voltaria.

 

Foto de Capa: Acerco do Escritor

Uma resposta

  1. A vida tem disso: chegamos na idade que um dia nossos antepassados tiveram. O “detalhe” é se o amadurecimento chegou junto com a idade! Presumo que eu já seja tio avô mas o detalhe é se meu (s) irmão (s) em que a segunda geração descendente dele (s) tenha “chegado” , o “ser avô” tenha sido assimilado ou se continua(m) no “estágio” de “ser neto”!!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *