Rodapé sobre escolas de samba

Se os olhos da Elizabeth Arden, o que a Helena Rubistein com isso?

Rita Lee

Uns tomam éter, outros cocaína. Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.

Manuel Bandeira

Recuso os sonhos que te ignoram e os desejos que não possas despertar. Não quero fazer um gesto que não te louve, nem cuidar uma flor que não te enfeite; não quero saudar as aves que ignorem o caminho da tua janela, nem beber em ribeiros que não tenham acolhido o teu reflexo. Não quero visitar países que os teus sonhos não tenham percorrido como taumaturgos vindos de fora, nem habitar cabanas, que não tenham abrigado o teu repouso. Nada quero saber de quem te precedeu em meus dias, nem dos seres que aí permanecem.

Rilke a Lou Andreas-Salomé

 

Quando eu era criança (e ainda na adolescência) havia 3 canais de TV que transmitiam o desfile das Escolas de Samba no carnaval. E era apenas o desfile do RJ.

Os canais eram Globo, Bandeirantes e Manchete. A TV Manchete era a que melhor transmitia. A Globo sempre foi ruim nisso.

Há mais de 20 anos que a TV dos Marinho edita e transmite um carnaval “é tudo igual”. Uma pasteurização do que é escola de samba. Há mais de 20 anos que o que temos via Embratel, ao vivo e em cores, agora em HD, é um pastiche.

À revelia disso tudo, prescindindo da Rede Globo, não apenas golpista, como detentora de monopólios de transmissões, tem o samba no pé, alas como a ala das baianas, as Mangueiras do Amanhã, as rainhas de baterias das comunidades, as cabrochas, os ritmistas e os passistas nascidos nos morros.

Eu aprendi a ver, gostar, amar escolas de samba e seus desfiles no berço. Não do samba. mas desde muito criança. essa é a hipérbole. aprendi com minha mãe e com meu tio, irmão dela. Ela sempre foi Mangueira. Ele era Salgueiro. De Delegado e Mocinha eu ouvi dizer da boca de minha mãe e seus olhos emocionados. Com meu tio, aprendi a respeitar todas as agremiações. E aprendi o que era um surdo Maracanã.

Não foram os comentários pífios da Globo que me ensinaram o pouco que sei do mundo do samba, das escolas e dos desfiles. Eu vi desfiles memoráveis, antológicos, históricos. Não tem o melhor. Tem os diferentes.

É ruim que a Globo mostre de modo a parecer tudo igual. Tudo o mesmo.

Eu vi Pinah. Eu vi Braguinha. Eu ouvi e absorvi a sabedoria de Haroldo Costa. Eu chorei de emoção toda vez que a Mangueira desfilou e eu pude ver. Com ela eu fui Supercampeão. Eu comecei a ver desfiles antes de haver Sapucaí.

A Globo pasteurizou esse tipo de carnaval.

Assisti a Paulinho da Viola criticar os desfiles de escola de samba do RJ nos anos 80. Paulinho à época já criticava a pasteurização das transmissões, a perda do samba raiz, o desprestígio das comunidades, às vendas de fantasias e à invasão de estranhos e de estrangeiros no carnaval. Só ingênuos esqueceriam (ou não saberiam) que o que se vê há uns 30 anos é um produto de exportação. Ainda assim muita resistência samba no asfalto. Não é de hoje que algum carnaval político, crítico e denunciador rompe como flor no asfalto.

A Globo não matou esse tipo de carnaval. Ele vive ainda. como o circo vive, como o teatro vive, porque esse carnaval das escolas de samba vem e é dos Quilombos. ele é uma das formas mais doídas e lindas de resistência.

Eu vi Pinah! E desfilei junto com Joãozinho Trinta. No cordão dos sujos, ainda brinco.

Evoé, agremiações sambistas!

 

Foto de capa por Ramon Moreira em Riocarnaval.org

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