Estar só é algo que cada pessoa vê e encara de um jeito. Eu amo estar só, na maioria das vezes. Mas nem sempre é bom. Principalmente quando não posso escolher. Mas será que a solidão é algo bom, quando é resultado de escolha? O que nos define como seres humanos é viver em sociedade, é interagir com outro humano. Só somos seres humanos porque outro ser humano nos ensinou a ser. E relacionar-se com outros seres humanos continua nos dando essa noção do que seja humanidade. Negar isso nunca pode ser algo totalmente bom, mesmo que seja algo voluntário. Mas pode ser o sinal de que as relações humanas que nos produzem e nos subjetivam estão nos expulsando da presença de outros eus.
Para mim, a solidão ruim é aquela que aparece como uma espécie de castigo por eu ser como eu sou. E, de fato, como existir em sociedade não é algo totalmente possível, porque vivemos todos em sociedade, estar só é algo relativo. Nunca estamos sozinhos o suficiente, quando queremos estar. Ou nunca estamos sozinhos demais, quando queremos companhia. Sempre há alguém à mão, ao alcance, mesmo que nos isolemos. Mas podemos gastar energia em aumentar barreiras, ou mesmo em tentar diminuí-las. Para ser o mais breve o possível, nesse texto, Vamos diretamente ao ponto.
A pessoa é sozinha por escolhas, quando opta por minimizar o contato social que tem com os outros. A solitude é isso: quando a pessoa se basta a ela mesma, ou opta por não se desgastar com contato social desnecessário ou indesejado. Mas a misantropia não precisa ser somente um estilo de vida. Isso pode ser uma dificuldade em socialização. Misantropos são assim. Jamais diga que um misantropo é antissocial. Deixe esse termo para sociopatas e psicopatas. Misantropos preferem ficar à distância, lidam com a presença humana de diversos modos, com diferentes níveis de distanciamento. Mas mesmo o mais empolgado dos eremitas, precisa da certeza de ter um mundo lá fora do qual ele queira se apartar. Isso é essencial para ele e para todos que o cercam. Nenhum eremita se define como é se não houver uma sociedade para dela se afastar. Assim também aquele parente seu, mais recluso, que você nunca vê nas festas, que nunca visita ninguém ou não gosta de receber visitas. É só mais uma pessoa que parece negar o contato social, mas precisa de que esse contato social exista para que ela possa negar. Não estou dizendo que esse tipo de pessoa seja exatamente “do contra”, que aja sem sentido. Até porque eu me considero como esse tipo específico de pessoa, ainda que meus sintomas de misantropia sejam mais leves que os de muita gente. Estar sozinho, nesses casos, é confortável e dá prazer. Não compensa negar isso, quando de fato se pode continuar assim e continuar sendo feliz. Mas veja bem. Se a pessoa é sozinha, triste e se sente mal, isso não é misantropia, apenas. É adoecimento por falta de habilidades socioemocionais desenvolvidas. E como saber? Não tem como saber. O ideal é que a pessoa possa se sentir à vontade até mesmo para procurar ajuda de profissionais da psicologia ou psiquiatria, se for o caso. E isso geralmente só acontece quando há problemas muito sérios, ou as pessoas estão em ambientes saudáveis o suficiente para que possam fazer autocrítica de seus sentimentos.
As pessoas podem ser sozinhas porque são discriminadas. Geralmente LGBTQIA+ sofrem com esse tipo de solidão. Começa na adolescência, mas pode se aprofundar na vida adulta. A solidão é comum quando não há relações profundas ou mesmo uma bolha heterotópica em que as pessoas podem se apoiar, se suportar e fazer com que haja espaços saudáveis de convivência. Gays às vezes acham heterotopias em espaços de resistência: a casa de um amigo, colega de trabalho em que outros gays frequentam. A galera da sauna, lá dos anos 70, 80. O bar gay de Copacabana dos anos de 1950, por exemplo, eram exemplos de lugares em que gays passavam a existir juntos. De espaços como esses, saíram jornais, revistas, grupos artísticos, lugares de divertimento e liberdade sexual. Isso tudo porque a vida em família dessas pessoas não existia mais. Mas nem todos os gays do mundo têm acesso imediato e garantido a bolhas de convivência entre iguais. E para essas pessoas, sobra um tipo de solidão inevitável: é o tio ou a tia que envelhece porque não teve filhos, mesmo tendo “companheiro” ou “companheira” num determinado momento da vida. É o pai ou a mãe que assumiu a sexualidade depois de uma ruptura, separação e a família não mais os quer por perto, ou quer apenas em momentos mais convenientes. É o adolescente gay que não namora porque a família é de igreja cristã tradicional e não permite que ele expresse sua sexualidade e ele fica isolado. É a solidão do gay que, mesmo que tenha tido a oportunidade de viver sua sexualidade e relacionamentos, opta por ficar solteiro por não acreditar na monogamia. Então, ficar só nem é opção, é a realidade. O envelhecimento chega, a solidão bate na porta. Mesmo que a pessoa insista em conviver com outros gays em espaços dedicados à existência de corpos jovens que buscam o prazer, pode ser que a solidão seja a única realidade possível.
Combater a solidão nem sempre é necessário. Talvez a resposta aqui seja combater o preconceito que causa solidão na vida de jovens LGBTQIA+. Combater o etarismo e proporcionar a existência de espaços para todos e permitir que a população LGBTQIA+ envelheça com direito a amar, a aparecer, a não ser discriminada em espaços que se tornam templos de uma juventude cruel e exclusivista, também é necessário. Um mundo onde a solidão pode ser uma escolha, é um mundo em que estar só é um itinerário próprio de um sujeito ou sujeita que busca atender melhor a certas necessidades pessoais. Talvez isso seja a solidão boa. De fato, só saberemos se a solidão boa existe mesmo quando ela puder de fato existir sem concorrer com outras formas mais positivas de contato. Até esse momento, eu sei, pelo menos por minha experiência pessoal, que solidão só é boa porque é menos pior. E algo que é menos pior não pode ser totalmente bom. E se não é bom, porque eu tenho que aceitar isso como a melhor forma? Talvez eu não tenha escolha e esteja me protegendo do pior. Talvez eu precise aprender a superar essas formas de proteção que nem sempre são a melhor saída.
Eu recomendo terapia, sempre. Sempre. Se a pessoa é sozinha, gosta de ficar sozinha, faça terapia. Aprenda a descobrir o porque de seu isolamento, alguma coisa pode não estar certa. Outra coisa: o futuro não parece muito bom para aquelas pessoas que optam por ficar sozinhas no fim da vida, principalmente se são, como eu, de uma classe social menos privilegiada. Eu tenho quase 42 anos de idade, ainda é cedo para pensar em algumas coisas do envelhecimento, mas já é tempo de se pensar na solidão e em como eu pretendo passar o que me resta de vida, seja muito ou pouco. Por enquanto, opto por estar só. O que eu quero descobrir, como tarefa para melhorar minha saúde mental, nesse ano de 2023, é se minha opção pela solidão é realmente opção. Se é por conforto, comodismo ou se eu ainda estou me defendendo de situações hostis. Preciso descobrir como resolver essas coisas. É um caminho particular, individual. Mas quem puder fazer o mesmo, busquemos saber como a solidão nos afeta. Falo claro, aos solitários de plantão.
Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos
Capa: imagem de Manfred Antranias Zimmer por Pixabay