O “talvez” do Brasil ao conservadorismo

Domingo passado tivemos eleições gerais para presidente, governador, deputados federais, estaduais e senadores. O resultado encaminhou a decisão de alguns estados e da presidência da república para um segundo turno. No cenário do executivo e do legislativo, uma nova realidade se mostra ao brasileiro: uma divisão entre conservadores e social-democratas cada vez mais clara, nos embates políticos em qualquer nível.

Contextualizando

Eu me recuso a acreditar em polarização na política brasileira, porque a suposta polarização se dá entre grupos políticos que divergem em objetivos e crenças, mas nem sempre se opõem, nem sempre trabalham de modo adversativo, em franco combate. Há, de fato, uma disputa, na qual as pessoas buscam fazer o poder circular entre pessoas que são da burguesia. No Brasil, o exercício de reais mais pobres na política é uma exceção muito grande. Todos os que tem acesso a partidos e podem disputar cargos, ou são burgueses, ou têm se aburguesado ao longo do tempo, para que possam ser levados a sério no ambiente da política. Assim como a toga de um juiz ou o terno de um advogado são necessários para que exerçam suas funções e poderes, a política partidária e representativa só pode ser, de fato e com eficiência, ser exercida por quem tem dinheiro. Ou seu, ou de um grupo, uma classe. Trabalhadores, principalmente os seus líderes, quando têm acesso ao poder político, de fato estão lá para jogar um jogo específico que não se remodela ao desejo das classes subalternas. Para isso, os pobres precisam se revestir de burguesia.

Isso é herança colonial: nossa política reflete a estrutura de poder trazida da metrópole. Nesse tipo de arranjo político, a aristocracia pode ocupar cargos mais importantes, tanto na metrópole, quanto na colônia. Com muita dificuldade, os mais pobres podiam ter acesso a esses cargos, geralmente quando eram beneficiados do acaso. Depois de tornarmo-nos um país independente de Portugal, nossas primeiras constituições eram excludentes. Pobres não poderiam nem sequer votar, menos ainda poderiam ser votados. Somente no século XX  é que a presença de mais pobres foi mais sentida: trabalhadores sindicalizados, rurais e urbanos, passaram a compor partidos. O vai-e-vem do totalitarismo, dos regimes antidemocráticos no século passado, atrasaram a chegada de representantes dos mais pobres no poder.

Toda a política brasileira, nos duzentos anos de independência, é a história do conservadorismo se mantendo no poder. No início do século presente, no entanto, outros setores da política conseguiram apresentar ao eleitorado um candidato cuja origem é do povo. No entanto, esse partido não é comunista, socialista de fato, embora se inspire em ideias socialistas adaptadas ao sistema capitalista de mercado: a social-democracia. A chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder e a presidência de Luís Inácio Lula da Silva, e depois de Dilma Rousseff significou uma mudança muito grande na concentração de poder nas mãos burguesas. Em 14 anos, o partido conseguiu fazer obras sociais e de infraestrutura, organizar as finanças do país e promover um desenvolvimento capitalista profundo, acentuando o lucro de grandes empresas, alavancando o agronegócio e as instituições financeiras. No entanto, esses setores desejavam controlar de modo mais direto o poder e atentaram contra o domínio do partido popular, abrindo vaga no poder para setores conservadores, em 2017 e novamente nas eleições de 2018.

Poder conservador

A marca do último mandato de presidente é uma profunda ignorância e falta de aptidão para o trabalho administrativo da equipe de governo. O conservadorismo usa o atual governante como figura de proa e tem se alastrado como hera no legislativo. Contra a igualdade, a equidade, o desenvolvimento econõmico igualitário e sustentável, o conservadorismo também se organiza contra pautas identitárias, tenta proteger e reforçar postos políticos baseados em poder religioso. Os conservadores, no entanto, apoiam o capitalismo sem desenvolvimento sustentável, enquanto a social democracia, mais à esquerda, tenta combinar o capitalismo com formas ecologicamente possíveis de desenvolvimento e socialmente mais responsáveis.

Mas nenhuma proposta política majoritária do Brasil coloca o capitalismo em risco. Algumas, à esquerda, tentam racionalizar e usar mais eficientemente a natureza e a força de trabalho. O conservadorismo, no entanto, defende o direito que certos setores têm de dispor do que têm, do que produzem sem se preocupar com o futuro, com a saúde das populações ou mesmo com o futuro do planeta inteiro em si. Cada novidade, cada alerta, cada problema que o capitalismo produz no mundo é entendido como consequência do acaso. Quando os governos tentam controlar o consumo, a produção de bens, a economia e o uso dos recursos naturais, o conservadorismo mostra seu poder de embargo: seu compromisso é sempre com o lucro imediato dos membros de seu clube. Para que essa luta não pareça exatamente uma busca incessante e cruel por lucro, os conservadores usam a religião e valores culturais tradicionais como cortina de fumaça.

Muito poder na mão dos conservadores redunda, infelzimente, em formas antidemocráticas de poder. O conservadorismo, por exemplo, aqui no Brasil. abarca a bancada evangélica, o monarquismo, o movimento antivacinal e anticientífico dentro da medicina. Os partidos conservadores também formam o “Centrão”, massa disforme de legisladores à venda, prontos para votar em quem oferecer mais poder e recursos financeiros.

Social-democracia: a mão esquerda do capital

O capitalismo tem uma vertente que tenta ser humana: a social-democracia é sua expressão política. O capitalismo, de fato é um modelo econômico e social baseado na propriedade privada. A social-democracia não questiona a propriedade privada, mas tenta utilizar as relações produzidas através dela de maneira o menos exploratória o possível para as classes subalternas. Não que ela consiga sempre, não que isso possa sempre ser efetivo. Mas é o que se deseja: desenvolvimento econômico, sustentável e justiça social.

Sem detalhes maiores, a opção da social-democracia é sempre dar de comer às classes mais altas. E dar de comer da carne das classes subalternas. Mas de uma forma em que as pessoas se sintam bem em se sacrificar por algo maior, por uma sociedade desigual, mas cada um com seu pouquinho.

No entanto, esse tipo de benesse não agrada aos conservadores mais que, impacientes pelo poder, não medem esforços políticos e jurídicos para a manutenção de suas regalias. Isso pode significar, inclusive, o fim da democracia como a conhecemos e a vivemos por tão pouco tempo.

A mão esquerda do capital, no entanto, não é tão hábil quanto a direita. As alternâncias de poder chegam a ser tensas e amedrontadoras. Se o governo conservador é incompetente, por que o conservadorismo não some, não se anula politicamente? Porque o conservadorismo não se importa com efeitos práticos da política, a não ser o que mais lhe interessa: o poder em suas mãos, ou trabalhando em prol de seus desígnios.

Enfim…

Qualquer grupo conservador se torna a Marie Antoinette mandando o povo sem pão comer brioches. O atual presidente do país fez isso de modo indireto, ao não atender a população durante a pandemia, ao não investir corretamente em infraestrutura e deixar voltar a fome ao país. O grupo conservador que o apoia não se preocupa com essas coisas, por isso ele não reage a contento. Enquanto todos acham que essas ações sejam maldade dele, pessoalmente, o conservadorismo se alastra, faz propaganda de si: é o agronegócio que gera riquezas para o país (jamais distribuída entre os pobres); é a flexibilização de regras trabalhistas que aumenta a exploração, depois mostrada para a população como empreendedorismo. Todas essas coisas têm um surpreendente poder de . O conservadorismo se une a outros tantos setores mais ou menos prograssistas e conta com a anuência da própria social-democracia e se mostra como alternativa política para pobres que creem em valores tradicionais.

E isso pega: a massa que votou a favor do conservadorismo, por exemplo, acredita ser parte de um grupo que possui muito, por isso deve eleger políticos que detestam quem é pobre e quer dilapidar patrimônio alheio. Isso é uma inversão muito delicada das coisas, isso é aplicação ideológica de propaganda partidária que acontece dentro das igrejas, dos locais de socialização, parte de dentro de lojas maçõnicas, clubes sociais, agremiações e sindicatos patronais. E muitos pobres optam por isso. E podem, a despeito das coisas, eleger os mais poderosos, perpetuando um vício que adquirimos, como nação, na colonização.

Portanto não há portantos, agora. E muitos talvezes. O Brasil, nessa eleição dá um talvez duplo, à social-democracia e ao conservadorismo. Não chega a ser um sim ou um não, visto que todos os grupos desejam perpetuar o capitalismo. Agora só basta que escolhamos o quanto isso vai doer na nossa pele, quem será nosso feitor, o solado da bota que há de nos pisar. Muitos especialistas em política estão assombrados, alguns supresos com o crescimento do conservadorismo na nossa política. Eu, que faço questão de tentar entender da nossa história, só vejo um retorno do eterno nessas coisas. Não há, de fato, Brasil fora dessa dinâmica.

Capa: Imagem de mohamed Hassan por Pixabay

Por Alex Mendes

para sua coluna O Poder Que Queremos

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