AMOR

Quero evitar aqui toda e qualquer discussão teórica, psicológica ou filosófica sobre o amor dentro do padrão religioso ou convencional. Também quero evitar qualquer texto que possa parecer autoajuda ou discurso otimista. A ideia é falar do amor a partir do meu ponto de vista, ou seja, daquilo que eu tenho sentido na minha vida média de cidadão num mundo que mal me acolhe. Por tal, vou começar por entender o amor como um gostar profundo de algo ou alguém. E acho que qualquer gostar só é amor quando o sentimento resiste a um número muito grande de reveses e permanece ou dura por muito tempo, até que possa se acabar. Mas o segredo do amor é esse: a permanência.

Seguindo essa lógica, delineia-se uma estética do amor: o amor que fica, que existe, que resiste. No entanto, para além da beleza, há de se pensar na ética do amor. O que motiva esse sentimento. Eu, por exemplo, amo profundamente meus pais. Mas obviamente eu fui ensinado a gostar deles de maneiras diversas, inclusive algumas perturbadoras. Por exemplo: a gente é ensinada a amar que nos castiga, desrespeita. Eu nasci e fui criado nos anos de 1980, criado na regra da palmatória: errou, castigo. Alguns, inclusive, fisicos. Hoje, eu vejo pais e mães tentando se virar como podem, numa época em que castigos físicos podem ser criminalizados. De fato, nenhum castigo físico  é eficiente em ensinar. Na verdade, formam-se traumas, dores, mágoas, rancores. Amar é um desafio, porque se ama alguém que lhe inflingiu dor, limitou seu prazer. Na verdade, eu destestava quando meus pais tentavam me educar para a responsabilidadade que seria viver autonomamente, e isso parecia, até certo ponto, justificar tanta dor. Na verdade, nem sempre a dor era tanta assim, mas emocionalmente era devastador receber um não, um tapa, uma bronca. Eu me sentia horrorosamente mal.

Mas, porque eu aprendi a amar pessoas que me faziam algum tipo de mal? Porque eu fui educado para amar quem me feria, assim como essas pessoas que me feriam também aprenderam. E, talvez por isso, a gente odeie tão facilmente quem nada ou pouco nos faz. Onde não há dor, aflição, parece que o amor não brota. Transpondo isso de maneira livre para nossos relacionamentos afetivos fora do círculo familiar, percebo que tendemos a aceitar a dor, o sofrimento infligido como parte do amor. A necessidade de não estarmos isolados nos faz acreditar que é natural que sejamos ofendidos, humilhados, traídos, esquecidos ou mesmo abandonados no transcorrer de uma relação amorosa. O afeto, o carinho, a compreensão, o interesse, o sexo, todos esses elementos são temperados com dor e constrangimento e aflição.

Todos os que nos amam, invariavelmente nos ferem. Isso é uma espécie de “lei da natureza” dos relacionamentos. No entanto, ferir ou ser ferido nos relacionamentos não vem exatamente do amor, mas da interação com nossos pares. É fruto de nosso confronto com a vontade alheia, com a realidade de sairmos do nosso centro. Sentimos dor quando nosso id descobre que não podemos fazer do outro o objeto permanente de nosso prazer e, na maioria das vezes, mal enxergamos o quanto também inflingimos dor no outro, em resposta daquilo que recebemos. Uma prova disso é a nossa família. Somos constrangidos, desde criança, a amar pessoas que são, fundamentalmente, nossas agressoras, mesmo que elas sejam, virtualmente, nossos pilares. Mas assim também é o amor de Deus. Ele castiga, pune, destrói e mata em nome do amor que sente. Não que isso explica o amor. Mas explica Deus e mostra sua origem extremamente humana e fraca.

O amor é um empecilho ao total domínio da vontade. O amor nos ensina a disciplina, o sacrifício, a matar muito de nós mesmos para que sejamos fracos e dependentes. Ao mesmo tempo que, suas forças desencadeadas, podem gerar tamanha rebeldia que pode destruir tudo o que nos sustenta. Dessa forma, em nome do amor, uma pessoa se anula para ver bem a seus filhos, netos. Ao mesmo tempo em que o amor por algo ou alguém pode ser destrutivo, pode quebrar regras, destituir estruturas, solapar certezas e minar a razão.

Talvez por isso que Camões tenha visto o amor como algo tão contraditório e tão intenso. Talvez por isso que ele comece ou exista em forma de paixões, codependências, sujeições, regimes de escravidão do ser, da mente e quase nunca como liberdade.

Por Alex Mendes

para sua coluna O Poder Que Queremos

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