Escrevo essa crônica passando mal. Para falar a verdade, não é a primeira vez que eu passo mal escrevendo ou escrevo passando mal. Mas para tudo há uma explicação. Eu peguei uma senhora de uma gripe, como eu não pegava há anos, década, de fato. Só que é a primeira vez que eu pego gripe na era do “novo normal”.
Nem ouso escrever aqui que estamos numa “pós-pandemia”, porque não é verdade. Estamos ainda na pandemia. O governo brasileiro, na pessoa de seu excelentíssimo Ministro da Saúde, decretou o fim do estado emergencial, sendo que mais de cem pessoas morrem de COVID-19 todo dia. Mas na cabeça das pessoas, o clima é de “já ganhou, já ganhou”, as pessoas venceram a doença, ninguém é mais obrigado a usar máscara. Todos estão normais novamente.
Nesse contexto, uma grata surpresa na minha casa. Eu moro com meus pais, somos três em casa. Mas aqui na cidade tenho um irmão e uma irmã e suas respectivas famílias. Se todos vêm à minha casa, aeremos onze no mesmo espaço. Minha irmã, que mora em Nova Lima, Minas Gerais, chegou inesperadamente de viagem e fizemos uma reunião de família, não com onze, mas com quinze pessoas, todas dentro de casa. Se pegando e se acotovelando. Um dia antes, meus sobrinhos tinham passado o primeiro dia do feriado conosco. Dois deles estavam gripados, inclusive foi necessário levar a bebê de meu irmão no médico por causa disso.
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Tudo bem. Na noite em que minha irmã chegou de surpresa, a gripe me pegou. Passei esse tempo com a garganta dolorida. No outro dia, pedi que todos se afastassem de mim e continuei me sentindo mal. Esse mal-estar se ampliou na madrugada e, domingo de manhã, eu resolvi ir ao médico. Fui atendido lindamente na UPA da minha cidade, onde também funciona um centro de testagem. Mas era domingo, a médica me passou remédios e pediu para que eu retornasse na segunda de manhã para fazer um teste de COVID-19. Caso o teste desse positivo, eles procederiam com tratamento, internação, o que fosse necessário.
Ontem, então, fui eu fazer o teste, muito doente ainda, com muitas dores de garganta. Mesmos sintomas que estou sentindo até agora, nesse momento: dor, congestão nasal, garganta inflamada (sem infecção) e mal-estar generalizado. O teste deu negativo. Era ir para casa e se recuperar da gripe. Estava de atestado médico, continuei de repouso, tomando líquido. À tarde conseguir levar meu computador para uma manutenção, só que à noite o mal-estar recomeçou. Dormi por poucas horas e acordei por volta das cinco da manhã tossindo muito, com dor de garganta, mas sem febre, aliás, eu não soube dizer à médica se eu havia tido esse sintoma, mas como eu suava em bicas, ela disse que possivelmente eu teria dado febre à noite. Mas isso no domingo. Na segunda, nada de febre. Na terça-feira, hoje, nada de febre, mas muita dor de garganta e mal-estar.
Resolvi voltar ao médico sem a certeza de qualquer coisa. Mas dessa vez fui a um hospital particular. O médico que me atendeu, depois de uma hora de espera numa sala lotada de pacientes, prescreveu mais exames para saber o que eu tenho e quis me internar. A princípio ele alegou que os remédios que eu tomei não tinham surtido o efeito desejado, o que ele poderia acrescentar no que a outra médica havia passado era simplesmente mais analgésicos para aplacar a dor de garganta. Eu precisava de cinco dias em ambiente hospitalar para combater os sintomas.
OK, eu poderia escolher não ficar, eu sou maior de idade e não entrei em estado de emergência. Então, escolhi ficar em casa, a contragosto do médico que disse que eu tinha COVID-19 sim, que o exame PCR, se colhido hoje, comprovaria no sábado. até lá, eu precisaria passar por isso tudo no hospital. Sinceramente, eu estava mal, com dores, mas oreintado, capaz de andar com minhas próprias pernas. Tudo o que eu queria era repousar um pouco mais e dar ao meu corpo a possiblidade de me curar, já que não apresentei sintomas graves, nem queda de oxigenação, como havia sido constatado na consulta de domingo.
Rapidamente, a minha semana anterior passou pela minha cabeça. O último dia em que eu poderia ter pegado essa doença por estar em local com aglomerações, foi na quarta-feira da semana passada. Quando meus quinze parentes se reuniram dentro da casa da minha mãe, eu já estava sentindo sintomas, então não foi deles. Ou eu peguei gripe de meu sobrinho, ou de fato eu havia pegado COVID-19 de uma maneira indireta, obscura. Procurei me testar novameente, o segundo teste em dois dias. Ambos testes rápidos, ambos testes com alguma segurança. Ambos deram negativo. A essa altura, eu já havia feito coleta para o teste PCR, mas ainda sofrendo com dores de garganta, sem que o médico me desse atenção que não fosse exatamente me internar para ficar me acompanhando dentro de um quarto de hospital.
Foi interessante fazer esse segundo teste, sem a opinião do médico. Até porque esses testes têm, de fato uma margem de erro. Mas nenhum deles foi feito no período em que o vírus poderia estar incubado no meu organismo. Ambos feitos após quatro dias de manifestação sintomática. Pelo nível de inflamação de minha garganta e dos sintomas de dores e tosse forte que eu vinha apresentando, provavelmente eu teria um resultado positivo ou inconclusivo em algum deles. De fato, não quis ficar internado, voltei para casa com essa novidade do tempo do “novo normal”: quando saberemos de fato que estamos com gripe? Quantos testes e exames precisaremos para ir para casa tomar chá e comprimido para dor? Quantas gotas de dipirona substituem cinco dias de internação num hospital para aguardar o resultado de um exame de PCR que pode dar negativo, já que, de fato, dois exames preliminares já descartaram a contaminação por esse tipo de vírus?
De qualquer forma, acho que os médicos estão certos em prescrever tratamentos e internações. O que me fez sentir mal foi aquela velha reclamação de quem vai a consultórios uma vida inteira: eu não me senti ouvido, atendido. Num dado momento do médico, ele consignou o atendimento adequado e humanizado a mim somente se eu fizesse sua vontade de internação. Cinco dias com meu plano de saúde pagando diárias hospitalares a alguém que já tinha sido descartado como portador de COVID-19. Bastava ele ouvir o que eu tinha a dizer, ouvir a outra colega dele que havia me tratado no domingo.
Bateu um arrependimento. Eu deveria ter ido atrás do atendimento público. Mas eu optei exatamente porque eu já pago plano de saúde. Todas as vezes que eu uso algo público, eu imagino que eu estou fazendo o que eu não devo, usando recursos sem necessidade, que poderiam ser usado em prol da saúde de quem, de fato, precisa.
Por outro lado, o médico queria exatemente isso: me obrigar a usar recursos do meu plano para ter a certeza de que, no sábado, daqui a cinco dias, eu estava bem e sem COVID-19. Mas como ele não me ouviu, não quis saber, não interessou a ele o número de dias que eu manifestei sintomas, então não importa. Só mereço tratamento se eu me internar por cinco dias na “luxuosa” instituição hospitalar dele, para aguardar um resultado de exame.
Nesse momento, em que finalizo o texto, estou mal, mas medicado, orientado, consciente e melhor do que estava hoje de manhã. Que bom. Sendo gripe, COVID-19 ou qualquer contaminação, eu acho que tendo a melhorar nos próximos dias. E de fato eu duvido que dois testes feitos com metodologias diferentes não que não deram positivo devam estar tão errados assim. E, de qualquer forma, como disse uma amiga enfermeira mais cedo: você está manifestando sintomas desde a semana passada, provavelmente o pior já passou, repouse, tome líquido e evite contaminar os outros.
Enfim. É isso. Uma pena que, de repente, eu tenha passado pelo que eu passei hoje com o médico.
Infelizmente, médicos são muito autônomos em suas decisões, nem sempre ouvem seus pacientes e clientes, não aceitam questionamentos, em alguns casos, não querem saber mais. Fui auscultado e tive minha garganta verificada visualmente, fui interrrompido várias vezes por uma pessoa que não queria me ouvir, que ao perceber que meus sintomas encaixavam na suspeita de de uma doença delicada e grave, só quis me internar, quando de fato, no hospital público, me disseram que a internação só aconteceria mediante a necessidade.
Porque ambiente hospitalar não é playground. Não é bonito. Não é confortável. Não é bom, Tem seus riscos próprios, e no meu caso, depois que eu manifestei não querer, ele deixou à minha escolha, mas me ameaçou com os sintomas da doença, dizendo que eu não iria melhorar, que eu tinha de me preparar para passar mal mesmo e só a internação iria resolver.
Desde criança eu tenho essas gripes fortes com reações violentas na faringe, cabeça. ouvido. Antes da COVID-19, esse mesmo médico teria me dado uma injeção de corticoesteroides e me mandado para casa.
Sempre foi assim, para falar a verdade, em 2019 eu tive dor de garganta sem gripe, e ao verificar a inexistência visual de infecções, um médico do mesmo hospital passou corticoesteroides em injeção por dois meses. Isso foi o motivo de outros adoecimentos, hoje eu não posso mais tomar corticoesteroides como antes, precisei fazer tratamento endocrinológico para acabar com os efeitos malignos de remédios prescritos erroneamente.
No fim das contas era refluxo. Um otorrinolaringologista fez tudo sumir sem esteroides.
Com a pandemia, o “novo normal” pede que se suspeite de casos de influenza como algo mais sério. Mas às vezes, isso inclui também ignorar os exames que você fez há menos de 24 horas. Eu já tinha uma relativa certeza de que eu estava com gripe, porque havia um exame descartando COVID-19. Mas como não era teste padrão ouro e ele não havia prescrito, ele não quis me ouvir, não quis ouvir que sintomas eu sentia.
Provavelmente ele achou que eu era mais um “malandro” cabulando mais um dia de trabalho, atrás de um atestado médico. Provavelmente ele ofereceu a internação como forma de me espantar. Eu não aceitei. Não por estar fingindo, mas por não acreditar ser necessário desperdiçar recursos vultuosos numa gripe, com exames recém-feitos na mão.
Eu queria uma atenção médica, a prescrição de um remédio mais eficiente, queria que ele de fato me auscultasse para ver se o meu pulmão estava OK, eu queria um analgésico melhor, ou pelo menos o consolo de que isso ainda duraria uns dias. Para mostrar que eu não sou exatamente um tipo de cabeça-dura, fiz os exames, que ficarão prontos no sábado.
Se o resultado for positivo para COVID-19, ficará mais que patente que não havia necessidade de internação, bastariam os cuidados de sempre. Mas já deu negativo duas duas vezes. Qual o problema em se tratar uma gripe no “novo normal”?