Estamos às vésperas do carnaval, época em que as pessoas se libertam das fantasias mais intimas e externizam em grande festividade. Tive uma infância privada das brincadeiras de carnaval, por conviver em um ambiente extremamente religioso e conservador. O maior contato que tive, foi através da tv, em lépidos segundos enquanto meu avô mudava de canal, naquele momento eu podia apreciar de forma rápida as cores e brilhos nos desfiles das escolas de samba, bem como a diversidade de corpes femininos expostos.
Na minha cidade existia um baile chamado “A Gaiola das loucas”, título provavelmente atribuído por conta do filme “The Birdcage” (do diretor Mike Nichols, lançado em 1996). Nesse baile todos os homens se fantasiavam de mulheres, de uma maneira extremamente caricata e vulgar. Muitas vezes eu e meus avós voltávamos de passeios e passávamos ao lado do espaço que acontecia esse baile, eu observava o evento com olhar comedido, parecia ser um espaço divertido, mas o que me incomodava era a forma de como as mulheres eram retratadas.
Sempre fui uma criança feminista, sem nem ao menos saber o significado da palavra, infelizmente vivenciei inúmeros momentos machistas ao longo da vida, e muitos deles registrando violência literal ao corpo da mulher, e sendo a mulher que sou, prometi que combateria até o fim por justiça feminina. Desde então eu questiono a hipersexualização dos corpos femininos no carnaval, e mais ainda das mulheres negras que sempre foram chamadas de mulatas, termo esse totalmente racista e ofensivo, haja vista que a palavra deriva do animal “mula”.
O Brasil é o país do conservadorismo hipócrita, tentam anular nossa raça, nossa diversidade e cultura enquanto na “gringa” vendemos uma imagem de latinização erotizada. Quando proponho a reflexão nesse texto, evidencio meu incomodo enquanto uma mulher transexual que é vista como hipersexualizada em 365 dias do ano, são milhares de pessoas bloqueadas nas redes sociais por conta do assédio inoportuno. A ligação que faço com o carnaval é pelo fato do respeito aos nossos corpes, sejam eles nus ou vestidos, seja cis ou travesti, sou a pessoa que mais acredita e defende a emancipação dos corpes e liberdade de expressão dos mesmos, desde que seja com consentimento de cada indivíduo.
É importante lembrar também que mulheres trans e travestis não são fantasias para sua folia, nossos corpes não são zoação. A evolução faz parte de cada um de nós, não é porque antigamente os hábitos eram errados que devemos perpetua-los, e não é “mimimi”, é respeito pela vida e pela trajetória de pessoas que não usam fantasias para sobreviver. Que sua fantasia de carnaval seja original e criativa, que possamos seguir a jornada sendo empáticos e gentis, para assim elevar o carnaval como uma das culturas mais lindas do nosso pais, de maneira sustentável e afetiva.
Hoje estamos vivendo uma pandemia, é preciso resignificar nosso comportamento, ainda não é possível aglomerar e estarmos em grandes festas, mas podemos na medida do possível nos divertir e cuidar uns dos outros. Vamos ouvir o samba dentro de nossos corações, para que futuramente possamos fazer dessa festividade um grande espaço de inclusão e sociabilidade. Axé!
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Sempre necessária! Axé