E se a noite do expurgo existisse?

Hoje pude assistir ao novo filme intitulado American Nightmare 5 : The Forever Purge (no Brasil, Uma noite de crime : A fronteira), o que me fez refletir e escrever.

Para quem nunca ouviu falar de American Nightmare, existem 4 filmes além de uma série chamada The Purge (disponível no Amazon Prime) para quem é apaixonado por filmes de terror e de ação como eu e não quer assistir ao quinto filme somente por assistir.

O que me atrai particularmente nos filmes são os figurinos e maquiagens dos atores (são demais), os diferentes tipos de armas utilizadas durante o expurgo e a forma como as pessoas são criativas quando se trata de tirar a vida de alguém ou proteger a sua própria.

A gente sabe quem são os vilões e quem são os mocinhos, e também somos de certa forma convidados a nos questionar sobre o que é moral para os personagens e para nós mesmos.

Você deve estar me perguntando : o que é o expurgo?

O título dos filmes em português é uma noite de crime, o que traduz perfeitamente o que é o expurgo : uma noite na qual aqueles que vivem nos Estados Unidos da América podem cometer qualquer tipo de crime, incluindo o homicídio. Durante 12 horas, aqueles que não estiverem imunes como os profissionais de saúde por exemplo estão completamente à mercê da vontade dos outros cidadãos. Pode se tratar de um completo desconhecido ou de um próprio funcionário, uma ex, um familiar. Movidos pelo ódio, as pessoas matam sozinhas ou em grupo nas ruas ou em casa aqueles que não puderem se proteger adequadamente.

Os pais fundadores da nação permitem que todo o estresse seja evacuado uma vez por ano, para que as pessoas se sintam bem e o número de crimes seja reduzido durante o ano.

Logicamente, quem tem um menor poder aquisitivo é morto primeiro, afinal para os “verdadeiros” americanos eles são um estorvo.

Moradores de rua, estrangeiros legais e ilegais, pessoas de diferentes cores de pele devem morrer segundo alguns participantes do expurgo.

Ao mesmo tempo que mostram algumas pessoas brancas como vilãs, também mostram outras que agem de maneira altruísta e desinteressada para que a gente se identifique.

Enfim, vamos falar do quinto filme.

Alerto que o texto contém fatalmente spoilers.

No quinto filme, um casal mexicano cruza a fronteira entre os EUA e o México. Eles passam a viver no estado do Texas. O homem, Juan, trabalha em um haras para a família Tucker, composta pelo pai chamado Caleb e seus dois filhos, Dylan e Harper. Dylan é casado com Emma Kate que está grávida. Já a mulher de Juan se chama Adela. Ela trabalha em um frigorífico e faz de tudo para poder se integrar na sociedade americana.

Enquanto Harper se mostra interessada pela cultura mexicana, aprecia os pratos e convive com eles de forma harmoniosa, seu irmão Dylan acredita que cada família deveria preservar sua cultura, não querendo estreitar laços com os estrangeiros.

Juan, mexicano recém chegado é um verdadeiro cowboy enquanto Dylan, originário do Texas, não é lá um domador de cavalos, o que é frustrante para ele. Dylan não é racista como acredita Juan, ele se sente inferiorizado.

Já o pai Caleb trata os funcionários de forma profissional.

A família Tucker não participa ativamente do expurgo, preferindo se isolar no rancho e se proteger como diversas famílias. Caleb paga a mais para que os funcionários possam se proteger.

Aleda e Juan atravessaram a fronteira seguindo as rosas porque os membros dos cartéis os expulsaram de suas terras. Eles aspiram genuinamente por uma vida melhor.

Ambos conseguiram passar a primeira noite do expurgo em um galpão com outros imigrantes, graças ao amigo T.T. Os Tucker também passaram uma noite relativamente calma no rancho.

O expurgo é uma ação deliberada dos pais fundadores da América. Ele tem um começo, um meio e um fim. Na manhã seguinte, todos voltam ao trabalho e vida que segue.

E se o expurgo não tivesse fim?

É o que os partidários da Forever Purge colocam em prática. A ideia de racistas é poder aniquilar todos os brownies, todos aqueles que não forem americanos o suficiente, a escória da sociedade, até não sobrar um para contar história.

A ideia de outros grupos é de aniquilar os ricos porque estão insatisfeitos com os salários e com a maneira de serem tratados.

É interessante notar que os americanos no filme (como nós brasileiros na vida real) não sabem exatamente o que é ser americano. Quando não sabemos quem somos, não sabemos também para onde vamos. Uma nação paralisada pelo medo do outro é uma nação que não se arrisca, destinada a retroceder. American Nightmare explora sutilmente o conceito.

No filme, a gente aprende também que escutar o que o outro tem a dizer serve para entender seu ponto de vista e saber quais são as suas motivações. Atualmente, escutamos pouco e ouvimos muito.

E se a noite do expurgo existisse?

Eu imagino que muitos grupos de extermínio aproveitariam para matar o maior número de pessoas em pouco tempo. Os LGBTQIA+ não seriam poupados, dado o contexto. Eu creio também que as lojas, os bancos, as farmácias e os supermercados seriam completamente saqueados. Muitos aproveitariam para se vingar de desafetos : um ex, um patrão, um vizinho. Poucos moradores de rua sobreviveriam. Imigrantes precisariam se esconder. Os sádicos sairiam as ruas para fazer o que bem entendessem.

Por outro lado, se o expurgo acontecesse, muitas pessoas escolheriam não participar e muitas outras se juntariam para se proteger.

É o que ocorre nos filmes e na série.

Na vida real, será que o expurgo não acontece diariamente quando mulheres são mortas cruelmente por um ex ou pelo atual, ou até mesmo por dizerem não, quando as pessoas são mortas porque reagiram durante um assalto (ou às vezes nem isso), quando travestis e trans são mortas de forma cruel, quando gays são espancados e mesmo mortos por serem quem são, quando moradores de rua morrem de frio ou queimados enquanto dormem? Não faltam exemplos.

Será que nós sabemos o que significa ser brasileiro? Será que nos esquecemos de escutar o outro e de se colocar em seu lugar? Será que banalizamos o mal e nos tornamos indiferentes à bárbarie?

American Nightmare tem, como toda distopia, a característica de entreter e nós fazer refletir.

São perguntas que você caro leitor pode responder no conforto de sua casa.

Convido você a respondê-las e também a assistir ao filme se puder. É talvez o melhor filme de toda a franquia. Vale a pena.

Concluindo, o que você espera da vida em sociedade? A ideia do expurgo seria aceita por você?