Há alguns meses que Andressa sentia uma tristeza inexplicável. Um aperto, uma agonia crescente em seu coração que parecia que iria sufocá-la a qualquer momento…
Como uma forma de distrair a cabeça, saiu do apartamento apertado onde vivia direto para a rua. O vento frio movia seus cabelos em várias direções enquanto seguia até o mercado mais próximo, pensando em fazer algo diferente para comer naquela noite.
Já no estabelecimento, passeou por entre as prateleiras cheias de opções e ingredientes que poderia usar para cozinhar. Mas o que faria? Uma lasanha ao molho branco, quem sabe… Não. Nunca foi boa com massas. Risoto? Bem, melhor não. Afinal, seria muito fácil errar o ponto do arroz…
Depois de alguns minutos avaliando os diversos pratos que poderia tentar, acabou optando por algo prático e sem erro: delivery. Do mercado, decidiu que levaria apenas um engradado de cervejas, planejando chamar Marcos para passar a noite em casa.
Na fila, abriu o Facebook, rolando o feed de notícias com desânimo. Centenas de fotos de colegas de faculdade pululavam da tela. Fotos de passeios internacionais, pratos diferentes, esportes radicais. Por um segundo, imaginou-se no lugar deles, mas esse pensamento foi logo abafado pela constatação de que não tinha tempo para viajar muito menos coragem para pular de paraquedas.
Desligou o celular. Ela seria a próxima. Enquanto aguardava a senhorinha pagar pelas suas compras, mirou o olhar em uma das prateleiras ao lado, onde estavam dispostas caixas e mais caixas de tinta para cabelo das mais diversas cores. Apesar de detestar o castanho claro de seus longos fios (uma cor semelhante a água de esgoto, ao seu ver), sempre que pensava em mudar de tom o medo de ficar uma droga a impedia e logo desistia da ideia. No entanto, algo sombrio dentro de si fez com que suas mãos agarrassem uma das caixas sem ao menos ver a cor, antes de seguir para o caixa.
Em casa, colocou as bebidas no congelador e não demorou muito para que seu namorado chegasse. Um beijo morno e curto, cerveja nem tão estupidamente gelada e televisão. O sexo sem graça precedeu a chegada da comida. Japonesa, pois como dizia Marcos, nada combinava melhor com um sábado a noite que um bom sushi.
E foi a visão daquele fatídico sushi (ou talvez da insatisfação sexual) que fez com que Andressa finalmente surtasse. Com espanto, percebeu que nem ao menos gostava de sushi. Não gostava de cerveja, não gostava mais de Marcos e definitivamente sentia que se assistisse a mais um episódio de Breaking Bad naquela maldita televisão ela vomitaria.
Correndo até o quarto, puxou da gaveta uma tesoura afiada. E mesmo que não fosse essa a intenção, a visão da suposta arma pontiaguda nas mãos da mulher fez com que Marcos aceitasse o término repentino de forma muito mais compreensiva.
Assim que se viu sozinha, parou frente ao espelho do banheiro e, sem pensar muito, cortou mechas e mais mechas de cabelo, até que os fios estivessem batendo em sua nuca. Cada punhado no chão era um alívio cada vez maior que sentia. Rasgando a caixa de tinta, colocou as luvas de forma apressada e despejou a tinta sobre a cabeça, espalhando a mesma de uma forma capaz de fazer qualquer cabeleireiro chorar.
Depois, com a mesma tesoura que cortara os cabelos, partiu para as horrendas cortinas amarelas, presente de sua avó que, mesmo detestando, usava apenas por consideração. Assim como a blusa roxa que ganhara de natal de sua tia, a saia de uma amiga e a estatueta abstrata de um colega de trabalho que ela nunca soube se era um cachorro ou uma bailarina. Todos estes agora amontoados em uma pilha no meio da sala, destruídos.
Na pia, as garrafas de cerveja foram drenadas e a única coisa poupada fora o sushi, que Marcos havia levado na saída.
Naquela noite, os vizinhos presenciaram uma coisa estranha. Uma desconhecida de curtos cabelos negros saiu do apartamento 302, uma mochila nos ombros, sorriso no rosto e um passaporte jamais usado em mãos.
Há alguns meses que Andressa sentia uma tristeza inexplicável. Hoje, ela sabe explicar exatamente o motivo da tristeza que sentia, mas faz questão de cuidar para que não a sinta nunca mais.