Esses dias me peguei num dilema ridículo. Usar a calça por cima ou por baixo da barriga. Deixa eu explicar. Eu sou gordo e recentemente perdi algum peso porque fiz um tratamento de saúde. As calças apertadas entraram e as que serviam ficaram frouxas. Contudo, não tive tempo de comprar novas, nem achei prudente fazê-lo. Olhando para meu corpo gordo, procurei um cinto e pus a calça abaixo do umbigo. Apertei o cinto. Pronto. Eu fiquei como se fora uma pamonha amarrada. Mas tirar o cinto do umbigo e arrochá-lo na cintura não teve maior sucesso. Eu me vi novamente naquilo que eu chamo de desconforto plus size. A roupa que devia servir, nem sempre serve do jeito que devia.
A calça, que antes parecia a embalagem de uma pamonha, ficou diferente. Uma franja em seu cós parecia um babado. A calça agora sim, parecia amarrada ao meu corpo gordo para não cair. Era a mais pura verdade. Portanto, voltei a calça para a linha do umbigo. Era o jeito mais certo. Sempre foi. Mas um dia, há uns doze, treze anos atrás, alguém se dispôs a me ajudar a me vestir melhor. Alguém quis ajudar a me sentir mais normal. Foi meu ex-marido. Ele também era gordo e olhava para meu jeito de me vestir com alguma aflição, pois algo não combinava. Era minha cintura. A calça quarenta e seis arrochada debaixo da minha barriga não me vestia bem. Nem mesmo a minha barriga ajudava, caída sobre o botão e o zíper.
Meu corpo não cabia dentro das roupas. Em outras palavras, eu havia engordado desde que comprara aquela calça que vestia. Ele foi comigo numa loja de moda maior para homens. Eu me senti outra pessoa. Tudo ali me servia ou era maior, por isso eu poderia comprar sem medo. Acima de tudo, eu poderia me sentir bem numa roupa. Ele me fez comprar uma calça cinquenta. Em casa, ele me ensinou a usá-la. Na linha do umbigo, o cós não deixava o excesso da barriga escapar pela barra das camisas e camisetas. Desse modo, as roupas não ficavam mostrando a barriga toda vez que eu pendia para trás ou levantava um dos braços.
Pela primeira vez, depois de obeso, pude usar uma roupa mais ou menos confortável e correta no meu corpo gordo. Enquanto isso, eu lidava com a obrigatoriedade de se fazer barra das calças que eu usava. Isso era e é algo que eu sempre evito, quando posso. Porém, calças acima do número cinquenta são feitas para gigantes de pernas enormes. Odeio mexer em roupa. Mas às vezes a camiseta que fica confortável em meu tórax tem mangas desproporcionais ou parece um vestido. Mesmo sendo feita em lojas de moda maior. Odeio que eu tenha que usar calças de cortes retos, uma vez que não haja calças de moda maior que modelem o corpo masculino. Não nas lojas à minha disposição.
Conheço quem faça suas roupas, ou mande fazer. Ou tenha máquina, linhas e agulhas para apertar as pernas das calças. Conheço quem decida emagrecer por causa isso, porque não quer ficar a vida inteira usando roupa muito parecida. Ainda não chegou aqui uma versão plus sized da calça slim para coxas grossas de gordura. Eu perdi dezenove quilos. Consequentemente, o tamanho da barriga diminuiu. Desse modo, as camisetas nem sempre mostram a barriga. Mas usar roupa parecida é sina de gordo.
Eu, quando morava em Goiânia, ia às lojas de moda maior e saía de lá com camisetas sempre padronizadas. As tais listras grandes que disseram que poderíamos usar, mas isso depois de anos de condenação. Saía na rua e já via dois ou três usando a mesma coisa antes de chegar em casa. E como as roupas eram caras. Não tinha nada para corpo gordo a preços populares, porque gasta mais material. Porque sai menos, disse uma vez a mim uma vendedora.
Mas eu sabia que não era esse o problema. A moda impõe seu padrão. Não que todos o obedeçam. Ao contrário. A maioria desobedece. Por conseguinte, o mundo é dominado pelo mau gosto. Mas o poder de determinar o que é o bom gosto não muda de mãos. Por isso a roupa de gordo é necessariamente eficiente em cobrir o corpo e colorir ao mínimo.
Para que calças justas que nos dariam a sensação de liberdade? Ou roupas coladas em nossas banhas? Sim, muita gente usa, mas é ridicularizada por isso. Eu me dou ao luxo de usar umas camisetas apertadas. Também coloco a calça na linha do umbigo para que as camisetas não subam. Eu compro camisetas maiores para usar a calça abaixo do umbigo, mas somente quando as encontro. E não me importo se acham que eu tenho tetas. Ou barriga grande. Grávidas podem usar roupa justa, não podem?
Por isso eu uso camisetas mais justas. E gostaria de usar calças mais justas também. Mas quando tento convencer algumas costureiras a mexer muito nas pernas das calças, elas não querem, justificam com uma ou outra coisa. Mas estou emagrecendo. Não por causa da vaidade, mas da saúde. Preciso perder peso por causa da diabetes e da hipertensão. Não devo ficar magrinho. Devo me encher de sobras de pele que apertarei dentro de calças justíssimas, de camisetas mais apertadas que embalagem de mortadela.
Isso tudo porque não posso pagar por roupas de alfaiate agora, estão acima das minhas condições financeiras. Senão eu seria a própria mortadela em pessoa. As pessoas olhariam para mim e diriam: “Deus é justo, mas suas roupas são mais”.
A obesidade não me ensinou a amar meu corpo, mas ensinou algo muito mais importante: a resistir por meio dele. De fato, é uma coisa muito difícil manter-se gordo. Nossa alimentação hipercalórica atrapalha. Assim como nossa cultura de sedentarismo. A abordagem do corpo pela saúde também atrapalha, quando deveria ajudar. Desse modo, não há um parâmetro de uso saudável do corpo gordo aceitável pela grande maioria. O que há são pessoas gordas que se cuidam e gostam de ser como são. Por isso, elas têm prazer de ser assim e orgulho de seus corpos.
Mas, pelo que eu tenho entendido, pelo que eu tenho descoberto, o fantasma da morte está sobre essas pessoas constantemente. Nem sempre elas estão livres dessas cobranças. O mais chato, no entanto, é que pode ser que em breve nossos corpos gordos sejam total ou parcialmente liberados da doença. Mas cairá na malha capitalista dos corpos exclusivos que precisam ser caros para existir. A obesidade como doença será uma maldição dos pobres. Enquanto isso, os mais abastados viverão vidas nababescas em suas voluptuosas e intensas fontes de prazer.
Porque é isso: o corpo só é um problema para aqueles sujeitos que o têm como mercadoria barata. Obesidade como doença não é fruto da alimentação privilegiada de alguns, mas da falta de segurança, planejamento e responsabilidade. Não dos sujeitos em si. Mas da sociedade, que não produz de maneira eficiente, planejada e consciente a alimentação dos seus. Quem manda no que comemos é quem nos vende, por isso comemos câncer, bebemos veneno, todo dia, em nossos alimentos. Enquanto isso, ricos podem ser veganos, comer produtos orgânicos ou buscar as fontes mais puras e livres de tóxicos.
Nós obesos estamos no centro desses encontros. Cultura, exclusão, capitalismo, uso e utilidade dos corpos. Somos um ponto de atenção da saúde pública. Só que somos mais, somos pessoas. Não somos apenas doentes, mas corpos que querem bem-estar e prazer. Não é justo que sejamos adoecidos por uma cultura alimentar que nos envenena desde crianças e depois nos entope de remédios para compensar pelo menos o mínimo de vida adulta que precisamos dar. Porque isso é crueldade, é quase tão cruel quanto tratar doentes experimentalmente, como tem acontecido no Brasil. É quase tão cruel quanto fazer experiências sociais. Imagino aqui, sentado na minha cadeira apropriada para meu peso as indústrias de alimentos fazendo lobby para o açúcar e os cancerígenos. Eu os imagino olhando as estatísticas e pensando, daqui a 50 anos, pode proibir, por enquanto a gente precisa ter lucro.
Enquanto isso, eu tenho que usar o que eu tenho. É um desafio muito grande, não há garantias de que eu tenha sucesso, como alguém com metade de meu peso teria. É isso.
Por Alex Mendes
para sua coluna O Poder Que Queremos