Existem momentos em nossas vidas que não temos como negar nossa missão….
Desde muito nova demonstrei interesse pelo universo artístico, e claro, pensando no que a fama proporciona as pessoas. Na mente da pequena Paola (na época não transicionada) isso concederia um status de poder e blindagem social. Santa ilusão Brasil! (rsrs)
Esse pensamento me levou a aspirar toda expressão de arte, com maior propensão para música. A vida era dura, venho de uma família simples e muito honrada, mas sem condições financeiras para me proporcionar uma formação cultural. Mesmo com todas as barreiras de acesso, eu recorri às possibilidades e a minha vontade de aprender, talvez seja por isso que sou tão autodidata até os dias atuais. Vivia nas bibliotecas de minha cidade, a pesquisa em livros de música me transportava para um passado tão distante e ao mesmo tempo tão presente.
Em casa os LP’s do meu avô eram de artistas que nada tinham a ver com meu gosto musical. Por falar nesse gosto, acho curiosas minhas preferências musicais, sempre focadas em mulheres e suas histórias de luta através da música, na minha cedeteca não existe um cantor em meio a coleção. Sou a única na família que segue uma carreira artística, quando penso nas minhas produções culturais realizadas, vejo que usei muitas ferramentas da artista que habita em mim para que elas acontecessem com sucesso.
O momento mais doloroso na minha vida em meio à transição foi a negação da minha arte, o som que ecoava de todes era; “nesse corpo você não poderá ser uma artista”. Naquele momento eu enterrei a artista, sem ao menos pensar que ela nunca esteve morta. Tive um professor de música que dizia; “Nunca enterre seu dom, você poderá atuar em muitas profissões na vida, mas ele sempre virá de encontro com você”. Diante dessa minha vivência fico pensando: quantas pessoas trans/travestis desistem de seus sonhos e dons por conta da violência social.
O sistema é cruel com nossa existência, tenho tanto respeito pelas memórias e lutas de nossas manas e manos trans precursores nessa guerra pela sobrevivência. Aprendo diariamente com minha ancestralidade, me educo de forma humanizada e empática pra enfrentar o CIStema.
A menina que acreditava na fama como invólucro de proteção e empoderamento TRANSformou seus pensamentos e acredita no recomeço, nas possibilidades, no dom, na representatividade normatizada, despida de glamour. A fama é efêmera e vazia, ser artista é ser humano, ter sensibilidade e cuidado com as pessoas, é desenvolver a missão de forma genuína e generosa.
Hoje ressuscito a artista Paola Valentina, mulher trans/travesti, cantora, atriz, ativista, junto a ela toda ancestralidade e axé, para que seja força, verdade e amor para todes. Que nossas vozes ecoem os corações necessitados de amor. Sempre digo que o melhor da vida é o recomeço, junto a ele trazemos bagagens de dores, mas também de conquistas. Não negue sua missão, viva, enfrente, descanse, se permita viver em totalidade. Sigamos juntes recrutando amor e esperança para uma sociedade mais humanizada. Axé!