Muito se tem falado sobre o negacionismo científico e suas consequências para a propagação do vírus da covid-19. Sabemos que o coronavírus é altamente contagioso e também que o discurso negacionista, acompanhado da disseminação de fake news e das aglomerações dificultam o combate à pandemia.
Essa semana a influenciadora Ygona Moura faleceu vítima de complicações da covid-19. A semanas atrás ela publicava vídeos em festas e defendia aglomerações. Após a notícia de sua morte, muitos foram os que lotaram as suas postagens com frases do tipo “empatia zero” e “colheu o que plantou”. A postura da influenciadora foi irresponsável por minimizar a gravidade do vírus, mas ela não é a única a reproduzir esse comportamento e não estou aqui para endossar os julgamentos feitos no “tribunal da internet”, onde algumas pessoas se vangloriam por ter mais “bom senso” que as outras.
Evidentemente, ter consciência social do momento que estamos vivendo e que as nossas ações afetam o coletivo é importante, no entanto, acredito que a problematização acerca do vírus e da gestão da pandemia no nosso país precisa ultrapassar essa barreira moralista presente na internet, que transfere para os indivíduos a responsabilidade de termos batido a marca de 220 mil vidas perdidas para a covid-19, como se saúde não fosse um tema de responsabilidade do Estado. A pergunta que cabe aqui é: quem se beneficia com o discurso negacionista?
O Brasil é o país que teve a pior resposta à pandemia, segundo o estudo do Lowy Institute publicado no dia 28 de janeiro, realizado com 98 países e esse resultado catastrófico é fruto de escolhas políticas. Não nos enganemos. Não existe bom senso suficiente para se combater quiçá a pior crise sanitária do século apenas com ações individuais.
O negacionismo científico interessa unicamente ao projeto neoliberal e a quem dele se beneficia. Em março de 2020, foi feita a escolha de reduzir o vírus a uma “gripezinha”, de priorizar o lucro em vez de vidas, o mercado financeiro exige a morte de milhares de nossos conterrâneos por dia, sem eufemismos. O desgoverno brasileiro optou por deixar testes estragarem em armazéns, por não comprar seringas, pelo boicote às vacinas e o resultado de tudo isso foi (até 13:07 de sexta-feira, 29/01/21, quando esse artigo foi escrito), 9.060.786 casos e 221.676 mortes confirmados pelo novo coronavírus no Brasil, elevando o país ao 2º lugar em número de mortes, atrás apenas dos Estados Unidos.
Aderi ao distanciamento social, ao uso de máscaras e álcool em gel, mas eu tive essa possibilidade e entendo que a realidade da maioria dos trabalhadores brasileiros não é a mesma que a minha, não está ao alcance de todos comprar um álcool gel para higienizar as mão, por exemplo, quando os principais alimentos que compõem a cesta básica aumentam dia após dia. Quem teve a oportunidade de trabalhar remotamente durante o último ano, ou ainda, quem teve condições de ir trabalhar de forma segura, sem se aglomerar no transporte público diariamente?
Importante destacar que não estou me referindo a pessoas privilegiadas que estão festejando o aniversário com os amigos quando poderiam estar em casa, à lá Caio Castro, ou ao Carlinhos Maia que promoveu uma megafesta de natal em plena pandemia e infectou 47 pessoas que trabalharam na tal festa. Vimos casos como estes aos montes, mas aqui estou falando dos trabalhadores comuns, que estão levando todos os ônus nos tribunais da internet por terem passado alguns dias do final de ano nas praias e litorais, ou se reunido com a família para as confraternizações comuns a essa época do ano, como se essas ações sozinhas tivessem nos levado à segunda onda de contágio, (saímos da primeira?).
Quem faz esse tipo de análise ignora o fato de que em nenhum momento foi dado a essas pessoas a possibilidade de fazerem um distanciamento social real. Para a maioria dos brasileiros a sorte foi lançada quando o nosso Chefe de Estado optou por “salvar” a economia, enquanto as pessoas tinham que escolher morrer pelo vírus ou morrer de fome.
O negacionismo científico existe, bem como o desrespeito às recomendações da OMS e a propagação de desinformação, o incentivo do uso de um medicamento que não foi adotado em nenhuma outra parte do planeta para tratar o coronavírus e tantos outros desserviços. Tudo isso faz parte de um projeto, que em nenhum momento se preocupou com a criação de uma política sanitária séria para a gestão da crise, não por ineficiência, mas porque tratam a vida como algo descartável, à isso o filósofo camaronês, Achille Mbembe, dá o nome de necropolítica.
Nesse duro momento da história que estamos atravessando, precisamos reunir forças e nos mobilizar em torno de saídas que protejam a vida, a renda, exigir a volta do auxílio emergencial, pressionar por um plano de vacinação nacional para todos, que respeite a fila de prioridades. E se existe alguém que deva ser culpado pela péssima gestão da crise até aqui, que seja o (des)presidente da República e todos que defendem seu projeto nefasto de governo que atenta dia a dia contra nossas vidas. Basta dessa besta!
Respostas de 3
Excelente reflexão Nati. Parabéns. O negacionismo causado pelos líderes desse país é o grande responsável por toda essa catástrofe. Devemos sempre nos lembrar de atribuir a responsabilidade aquele que se dispuseram a exerce-la e não o fazem.
Perfeito, não dá pra culpar os mais pobres e vulneráveis nessa crise.
Lindíssima, falou tudo!