Por muito tempo, eu mantive uma relação odiosa com a Morte.
Talvez seja uma sensação comum quando se perde alguém querido, principalmente quando não se entende ao certo o que está acontecendo. No entanto, com o decorrer do tempo e ao longo de intermináveis e inconformadas indagações, é de se esperar que cheguemos a algumas opiniões e divagações sobre tal. E eis que, neste post de hoje, compartilharei as minhas próprias.
Assim como a maior parte das pessoas que tem algum sentimento mais íntimo envolvendo a Morte, comecei a refletir mais profundamente sobre Ela após a perda de um ente (muito) querido, por anos meu melhor amigo e companheiro de incontáveis madrugadas assistindo a filmes de terror e documentários históricos. Meu pai. É válido ressaltar que sempre fui muito sensível a livros e filmes, e me envolvo de tal maneira com a história das personagens que não é raro me encontrarem chorando rios por conta do sofrimento ou da morte de algum deles. E foi depois de assistir a alguma coisa e chorar por conta disso que eu me dei conta pela primeira vez que a Morte, ao contrário dos filmes, era real e chegaria para todos.
Quando tomei essa consciência acerca do significado mais superficial Morte, eu devia ter lá os meus cinco anos. E ele estava lá para mim. Lembro de estarmos sentados lado a lado no sofá e conversarmos sobre isso. Depois, eu estava sobre ele chorando inconsolavelmente quando me confirmou que ele também partiria um dia. Foram vários minutos tentando me acalmar, mas não foi a última vez que isso aconteceu. Várias vezes, enquanto chorava pela ficção, chorava também pela realidade, pela morte de pessoas queridas que nem sequer haviam morrido até então.
Seis anos depois, enfim, chegou sua vez. E, agora, de verdade. Com ele, uma grande parte das minhas memórias antigas também foram perdidas, soterradas pela dor. Uma grande página em branco.
Foram três longos e tortuosos anos onde eu condenava a morte e a tratava hora como inimiga, hora como uma válvula de escape fácil. E ficava nessa relação doentia, de repulsa e desejo.
Sinceramente, não sei quando comecei a ver as coisas de outro jeito. E particularmente falando, a Magia me ajudou com muitas questões internas e a me colocar nos eixos outra vez; o que continua até os dias de hoje. Eu entendi e aprendi a aceitar que tudo tem um começo, um meio e um fim (pelo menos um fim terreno), inclusive a Vida.
Aprendi que tudo tem um significado, uma lição a ser aprendida. Aprendi admirar as culturas que tratam a Morte como um rito de passagem, e não como algo a ser lamentado. Que tudo tem o seu tempo, inclusive Ela. E, o mais importante de tudo, a aceitar a dor como parte de quem eu sou hoje.
Agora, se tem uma coisa que continua me parecendo horrenda, é toda essa história de funeral . Me deixa apavorada a ideia de ser protagonista de um ambiente de pesar, sendo alguém que preza tanto a felicidade. Detesto aquelas guirlandas enormes de crisântemos e frases prontas, o cheiro de vela crua e o fato de que todos permanecem iguais no final. Suas identidades e o que elas foram, o que elas gostavam de fazer em vida, são apagadas e perdidas entre maquiagens mortuárias, melodias fúnebres em som ambiente e chazinho de camomila morno (os britânicos que lutem diante dessa afronta).
Devemos urgentemente parar de chorar sobre nossos mortos movidos pela dor da perda. Trocar os lamentos de “era tão jovem…” para conversas fluidas e carinhosas com alguns “lembra o dia em que…?”. Trocar o choro do que se perdeu pelo contentamento do que já foi. As palavras de conforto sussurradas, como se com medo de acordar o defunto, pronunciadas de maneira solta, sincera e positiva. Trazer luz onde parece haver só a escuridão.
Normalizar a ideia de que, vejam só, somos humanos! E como tais, partiremos mais cedo ou mais tarde, tranquila ou turbulenta, sendo “a nossa hora” ou não e não há nada que possamos fazer para mudar isto; e nem devemos!
Agora, tenho dito, se ousarem me enterrar (momento perfeito para deixar registrado meu desejo de cremação) depois de um funeralzinho triste e meia boca com chá morno e melado, vela sem essência, sem ao menos uma guirlanda de flores decente com flores realmente cheirosas e algum ditado literário marcante ou um trechozinho, mesmo que desafinado, de alguma música do Queen, eu volto só para assombrar os presentes.
Memento mori, então trate de viver a sua vida como se fosse morrer algum dia – pois você vai!
Uma resposta
Lívia, boa reflexão minha linda. A morte é uma das dimensões da vida. A dor causada pela perda do outro é viva, pois como ela é vida, doi perder o outro. E vamos seguindo, nós alegrando com os nascimentos e chorando o choro da dor e saudade dos que vão, que um dia, a dor se transforma em saudade e boas lembranças.