Ontem no canal francês M6 pudemos assistir ao segundo episódio do programa Opération Renaissance (Operação Renascimento). 10 pessoas, sendo 1 homem e 9 mulheres, se candidataram para fazer a chamada cirurgia bariátrica em meados de 2017 e somente agora sabemos que fim levou. Eles foram acompanhados ao longo de 3 anos por uma equipe de profissionais: nutricionista, cirurgião, cirurgiã plástica, psicólogo, psiquiatra, consultora de imagem (A Cristina Cordula é franco-brasileira inclusive), professor de educação física, entre outros. A apresentadora do programa, Karine Le Marchand inclusive acompanhou os participantes até a mesa cirúrgica e, depois, quando houve as cirurgias para retirar o excesso de pele, coisa que muitos membros da família e amigos não seriam capazes de fazer.
De fato, as pessoas depois da cirurgia ~renascem~ porque perdem muito peso, logo a fisionomia e o corpo mudam de forma impressionante. Amigos e familiares e mesmo a própria pessoa não se reconhecem. Quem for operar necessita de ajuda antes e depois da cirurgia. É importante dizer que fazer uma cirurgia bariátrica não é como comprar pão na padaria: na França, as pessoas precisam ter um IMC superior a 50 e/ou ter uma doença causada pelo excesso de peso. Quando eu falo de excesso de peso, não estou falando de ter uma barriguinha saliente ou bumbum granada: estou falando de dezenas de quilos a mais e de expectativa de vida drasticamente diminuída devido ao excesso. O programa não banaliza o ato cirúrgico em si.
No segundo episódio, um dos participantes era um homem gay que antes da operação era casado e muito apegado à mãe, e me chamou a atenção o fato dele falar em rede nacional sobre homens que dormiam com ele somente para acariciar a sua barriga, que gostavam de alimentá-lo e vê-lo engordar ainda mais. Como ele deixou subentendido, não ficava apenas nisso. Está aí um fetiche que eu conheço bem, mas que os telespectadores certamente não conheciam. Ele citou também a dificuldade de encontrar parceiros nos sites e aplicativos.
Aplicativos como GROMMR e CHASABL facilitam o encontro entre magros que querem engordar, obesos e, principalmente, obesos mórbidos com os admiradores.
Pesando 60 quilos a menos, sentindo-se mais desejável e dizendo que poderia encontrar alguém que o satisfizesse plenamente, Pierre-Yves decidiu se separar de seu companheiro. Não preciso nem dizer que as pessoas foram xingar muito no Twitter…
Como obeso mórbido (IMC > 50 no meu caso) que já se relacionou com muitos admiradores (até me falaram que eu era apenas um ~fetiche~ uma vez), acredito que Pierre dificilmente se separou por ser egoísta e insensível como pensam. Ele se tornou alcoólatra e, depois de um tempo de separação, quase morreu devido à uma pancreatite causada pelo álcool. O apoio dos profissionais foi essencial para ele sair dessa. Não é alguém que precisa ser julgado, mas sim compreendido e auxiliado.
Se o seu ex era admirador, o que parece ser o caso, dificilmente ele se sentiria atraído sexualmente pelo novo Pierre. Se o seu companheiro fosse um feeder, alguém que sente prazer alimentando e fazendo engordar o parceiro, por conta do by-pass realizado, Pierre-Yves não seria capaz desatisfazê-lo plenamente sem se matar aos poucos.
Amar alguém não significa se sentir atraído sexualmente pela pessoa (e vice-versa). Eu já me encontrei com um homem que era casado com um obeso que emagreceu. Eles decidiram permanecer juntos, porém fizeram um pacto para poder se encontrar com que os atraísse de verdade. Pierre e seu ex têm todo o direito de se separar se um acordo parecido não pode ser feito. Ninguém merece viver insatisfeito. Não é só o sexo que conta numa vida a dois. Somente os membros de um casal sabem o que os une e o que os separa.
A gordofobia é expressa justamente quando alguém não pode se separar do outro, porque o ex fez o ~sacrifício~ de conviver com o companheiro obeso mórbido antes. Está mais do que na hora de parar de acreditar que quem fica com gordos está fazendo um favor. Nunca foi um favor e nunca será. Ninguém é obrigado a ir para a cama ou viver com um gordo, se o fez, certamente foi porque quis, incluindo o ex do Pierre.
Para você que é obeso ou obeso mórbido e que está me lendo agora: não se relacione com alguém que não te elogie, que tenha vergonha de você, que te pegue porque ~é o que tem para hoje~. Quem nos julga hoje por sermos gordos, nos julgarão também por querer emagrecer, porque, como a minha mãe diz: “nada nunca tá bom”. Não se sinta obrigado a fazer o que quer que seja nessa vida, que é muito curta para viver agradando os outros. Magro ou gordo, o mais importante é olhar para o espelho e gostar do que se vê. A gente tem que se amar primeiro antes de esperar que o outro nos ame.
Como Pierre, se você estiver com dificuldade de realizar as tarefas do cotidiano, se estiver doente, se não conseguir dormir bem e nem se olhar no espelho por conta do excesso de peso, não deixe de procurar a ajuda de profissionais como o endocrinologista. Não importa o que os outros vão pensar de você, ainda mais quando se fala em obesidade mórbida. Renasça se for necessário. Eles não sentem na pele o que sentimos e nem correm os mesmos riscos. Você é livre para fazer o que quiser. Se permita.
Foto Inicial de Ketut Subiyanto no Pexels