O Natal da Covid-19 e do HIV/AIDS.

Natal, covid e HIV

A amizade desenvolve a felicidade e reduz o sofrimento,
duplicando a nossa alegria e dividindo a nossa dor.

Joseph Addison

O Natal é uma data marcada pelo encontro de pessoas que queremos bem, que juntas ou separadas, compartilham de alimentos, afetos e saudades mútuas. Acredito que este desejo está no horizonte de muitas pessoas, porém o Natal do histórico ano de 2020 encontrará muitas pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA) desgastadas, constrangidas e resistentes diante de um contexto obscuro, que nos remete as limitações humanas e de Estado impostas em períodos de guerra. Penso, que o Natal deste ano estará profundamente imbricado pelas emoções geradas pela pandemia da Covid-19, sendo que muitas famílias e pessoas, sentiram mais dores geradas pela perda do que outras.

Para este texto vou focar na PVHA (Pessoas Vivendo com HIV/AIDS), que se fez cidadã desta nação tão bela, quanto injusta e radicalmente estratificada em pequenas classes dominantes de massas de trabalhadores(as) desprovidos(as)(es) de liberdade para acessarem os principais bens e serviços dignos à pessoa humana, como uma renda sustentável.

Nestes meses de agonia provocadas pela jornada da pandemia da Covid-19 em nossas vidas, vejo mães e pais de família que que vivem com HIV/aids, desempregados(as)(es), desaposentados(as)(es), acometidos(as)(es) por outras doenças que lhe impedem de trabalhar, num mundo que não tem trabalho. Outras PVHA, ainda convivem com suas solidões e fantasmas internos, que no momento de distanciamento social, acabaram sendo isoladas dos vários setores da sociedade e das pessoas mais caras à sua vida.

O Isolamento social e o distanciamento social, para as PVHA que vieram das décadas de 1980 e 1990, tem gosto de discriminação, pois muitas vivenciaram estas realidades sociais geradas pela grande epidemia do final do século XX – a aids. Naquela época, o imaginário social da aids foi construído por mensagens e imagens desumanas e violentas de pessoas cadavéricas a beira da morte com slogans do tipo “AIDS MATA!”. Estas mensagens contribuíram para desenhar uma percepção social distorcida da PVHA, que para muitas pessoas eram vistas como monstros transmissores da PESTE GAY. Olhando para esta realidade passada, e matutando sobre o presente, penso: até que ponto este de Déjà vu não reacendeu os medos contidos nas PVHA.

A Covid-19 e o HIV/aids têm muito mais coisas em comum do que nos professa a nossa vã filosofia já dizia minha consciência chateada. Um bom exemplo do que estamos refletindo é a rememoração de medos e angustias do enquadramento dado as PVHA que faziam parte dos grupos de risco, pois esta pertença lhe facultava o estigma.

O Estigma, pode ser percebido aqui como uma marca impressa na pele da alma e do corpo de pessoas ou bodes expiatórios humanos, que vão autorizar a parte da sociedade não estigmatizada à descriminar e violentar todos seres que possuem esta marca. A sociedade estigmatiza alguns grupos de pessoas, desprovendo-os de suas humanidades e empurrando-os para a morte social de seus corpos vivos.

Ah! meu Pai, penso em suspiros, como será o Natal do ano da Covid-19 para quem tem HIV/aids em seus corpos cansados? Confesso que não sei, por mais otimista que me proponho a ser, mas…

Pensar positivo é um mecanismo de sobrevivência para quem já teve violências físicas e morais em sua alma e corpo, além de todas as angustias e vazios na barriga provocados por vontade de comer um alimento desejado, mas inacessível.

A mesa do Natal é farta, acessível e feliz, assim pelo menos é a mensagem e as imagens apresentadas para a população pelos comerciais, vídeos e cartazes que trazem a felicidade estampada nas caras da família cristão, branca e mediana. Confesso, que não sei se esta mensagem do tipo de família “Doriana” vai gerar mais alegria do que frustação para as famílias que não tem aquela mesa para comemorar o nascimento do menino Jesus.

Eu também não sei se Maria e José tão envoltos com a beleza do seu menino Jesus, ficaria feliz por ver outras Marias e Josés com seus meninos Jesuses à olhar com olhos de constrangimento e desesperança à mesa menos farta com a ausência dos seus.

Confesso que não sei mesmo, mas o que sei é que gostaria de ver todas as PVHA e suas famílias, amigos(as)(es) e amores com mais vitalidade de afeto, de saúde e de perspectivas de uma vida digna. Penso que o HIV/aids tem suas limitações, mas o que desgasta uma PVHA é o contexto social onde ela vive, as violências internas provocadas pelo medo e a discriminação, o acesso a uma saúde digna cada vez mais limitada e, a provisão de recursos para quem pode ou não pode enfrentar uma jornada de trabalho.

As epidemias e pandemias da Covid-19 e do HIV/aids, tiveram a capacidade de movimentar a nossa solidariedade em direção ao encontro de pessoas que mais precisam de apoio e afeto; juntou governos, academias, empresas e a sociedade civil em estratégias para alcançar a imunização (Covid19), a prevenção e a supressão viral (HIV) e as melhores condições de saúde para quem foi atingido por estas doenças; e, mostrou para o mundo que vários grupos de pessoas humanas estão em extinção.

Por Jean Carlos de Oliveira Dantas
para a coluna De Profundis

Foto de Pavel Danilyuk no Pexels

Respostas de 10

  1. Meu amigo se em natais sem a covid ja era vergonhosamente desigual ,este ano tenho certeza sera bem mais dificil pois faltara o calor humano tbm .
    Triste realidade de uma humanidade ípocrita
    Aa vezes me falta imaginação para saver o quw fazer me sinto igualmentw ipocrita ao estar ao aconchego de minha casa sem nada fazer ou fazer muito pouco
    Se antes eu ja me sentia muitaa vezes inutil
    Este ano me senti em um casulo.

  2. Um texto lindo e de muita reflexão, parabéns por externar tão bem este momento. Que sejamos mais solidários!

  3. Meu amigo lindo texto você fez o desenho perfeito das pvhas falou do sofrimento que acontece na vida de muitos de nós muito boa a sua reflexão

  4. Que lindo texto Jean. Nos traz a reflexão de quão importante estarmos juntos, mesmo que distantes ainda podemos nos ajudar e solidarizar…ainda somos humanos. Emocionante.

  5. Texto muito bem escrito e com tantas verdades…..para nós , pobres mortais vivendo num país totalmente desgovernado e tendo uma pandemia que está assolando o mundo, o Natal será inesquecível……

    1. Bela reflexão Jean! O mundo parece ter pausado em 2020 e isso gerou mais perguntas que respostas, mas de fato as perspectivas de vida digna para diferentes grupos sociais seguem ameaçadas em 2021…

  6. Este ano todos nós estamos vivendo em bolha, pelo COVID 19, nesta Natal 2020 será um ano triste, famílias dividir as famílias em luto, desemprego, desesperança para os mais necessitados , pela falta de esperança, vergonha e medo rprincipalmente para as PHVA, aonde vem junto à falta desesperança, principalmente pela falta de recursos cada vez limitados este Natal e para refletimos e auxiliar dar as mãos aos nossos irmãos com HIV/aids. Natal de 2020 é para estender as mãos aos nossos Pares.

  7. Vc consegue me emocionar sempre, Jean, não só ler, mas ver, sentir e recordar toda uma trajetória realizada.
    Obrigada, amigo, pelas lembranças e reflexões q vc sempre me traz.

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