Quando acreditamos que a situação do país não fosse piorar, nos deparamos com um caso absurdo de “estupro culposo”, uma tipificação criminal que não existe no código penal brasileiro e foi criado com o fundamento de proteger homens da classe dominante de seus crimes sexuais. Se já é estarrecedor tentar justificar o estupro culpando a vítima por seus modos comportamentais, sua vestimenta ou locais que frequenta, é ainda mais estarrecedor dizer que “estuprou, mas não tinha a intenção”.
Sempre defendi que a justiça não é parâmetro de ética e nem que esteja em um altar como santa inquestionável, antes a justiça pode ser (e constantemente é) usado como forma de dominação das classes abastadas, se tornando instrumento excludente, racista e sexista. Podemos pensar como que tanto a justiça, como outros setores da sociedade, exercem a violência simbólica. A violência foi, por muito tempo, relegada ao Estado e suas estruturas tão somente, ou ainda, pensadas na ótica da política e da guerra.
Ocorre que a sociedade em suas múltiplas ações e setores exercem uma violência imperceptível tão cruel quanto aquela manifestada na violência física. Aquela opera través das comunicações, da cultura, dos capitais simbólicos e suas significações que estão presentes nas formações sociais e nos papeis que desempenhamos, sejam de gênero, de raça ou econômico. E mantêm o status quo legitimando as discriminações que ocorrem na sociedade.
A justiça, portanto, tem operado a violência simbólica ao manter uma cultura de estupro em que as mulheres são vítimas e culpadas ao mesmo tempo. Diz claramente que o homem, principalmente o branco rico, está em um patamar de superioridade em que é inquestionável sua inocência. A sentença de “estupro culposo” é tão absurda do ponto de vista legal quanto do ponto de vista simbólico, pois dá sentido e legitimidade para que os representantes das classes dominantes continuem massacrando aqueles que não o são em uma oposição desumana que fere a integridade e dignidade do indivíduo. Mariana Ferrer foi agredida mais de uma vez, fisicamente quando o fato ocorreu e agora com uma sentença que a culpa da agressão que sofreu e ainda tem a presunção de ingenuidade do agressor que, no sentido da sentença, não teve a intenção do estupro e nem as condições de compreender que o ato configurava estupro. Isto é ridículo.
Não há como terminar este texto, é algo que deve ficar em aberto, esperando que a injustiça cometida contra a jovem Mariana seja revertida e situações como esta não voltem a ocorrer.
Por Raphaelly Bueno,
para sua coluna Contraponto