Era o primeiro almoço de domingo em que Leila levava a sua namorada.
Mãos suadas no caminho do estacionamento ao elevador. Ela e Fernanda pareciam ser duas amigas. Não haviam trocado se quer um selinho quando a porta foi aberta pela mãe de Leila que as recebeu com um abraço.
O abraço foi sincero. Foi de afago, mas só até a porta. Quando entraram se depararam com a vizinha do lado. Amiga antiga da família, mas faladeira, como diziam por aí.
Eram quatro mulheres que trocavam olhares. Leila trocava um olhar com a sua mãe que trocava com ela, que trocava com a namorada, que olhava para a vizinha. Como se na troca de olhares ficasse explicita a verdade que saiu na frase implícita “Está é Fernanda amiga do trabalho da minha filha”.
Ninguém ousou discordar, nem mesmo Fernanda que era tão militante da causa lésbica no dia a dia.
Silêncio.
O gelo foi quebrado com o almoço anunciado.
Todos pensavam, mas ninguém dizia “será que a vizinha ficaria?”.
Silêncio.
Para o alívio da mãe, já enfiada a sete chaves em seu próprio armário, a vizinha tomou o rumo para o seu apartamento. Mas logo o recinto estaria ocupado pelo irmão de Leila e sua namorada.
Quando ambos entraram, Leila assim como Fernanda, certamente questionaram-se se a mãe e sogra delas teria dito que o irmão e a sua namorada “eram amigos do trabalho” para a vizinha se ela estivesse ali. Porém, o questionamento ficou em suspensão entre a língua e o céu da boca de Leila.
Silêncio.
O almoço foi servido. A mãe de Leila procurou tratar Fernanda tão bem que parecia que ela estava recebendo realmente uma pessoa estranha, não alguém que a filha conhecia há cinco anos. Era uma intimidade forçada, constrangida, como se a qualquer momento fosse ser anunciado o fato declarado de que sim, sua filha era uma mulher lésbica. Que sim, sua filha tinha relações sexuais com aquela mulher. De que sim, sua filha amava profundamente outra mulher.
Quando a mãe de Leila falava com ambas era sempre em direção a própria filha, Fernanda era apenas uma peça de mobília, uma convidada alheia – uma intrusa talvez – que havia “levado a sua filha ao lesbianismo”. Ela respeitava a “opção da filha”. Ela aceitava o fato da sua filha ser como era, mas não aceitava o fato dela poder vivenciar quem se era. Ironia ou hipocrisia?
Por sua vez, sua mãe conversava com o filho e a namorada dele com tamanha intimidade, fazendo gracejos de ciúmes, fazendo perguntas de como se conheceram e que até mesmo esperava um neto. Já de Leila eram perguntas direcionadas a sua vida profissional, assim como de Fernanda, tudo para não explicitar o óbvio.
Em dado momento Leila até se esqueceu da dinâmica que ocorria ali e começou a participar, acreditando que sua mãe estava se esforçando para acolher o amor da filha.
Algumas garrafas de cerveja foram servidas pelo irmão. Beberam. Alegraram-se e por um momento de verdade, Fernanda, ao responder a mãe de Leila sobre se o almoço estava gostoso disse “estava uma delícia sogra”. Em resposta, seca e imediata, ouviu “sogra é a sua mãe, sapatão filha da puta”.
A mesa ficou em silêncio. O irmão ficou em silêncio, bem como a sua namorada. Leila ficou sem chão. Fernanda em choque com tamanha agressividade.
Os pratos, a comida, a recepção, tudo não passará de uma ilusão. Uma doce ilusão de pretensa aceitação.
Leila pegou na mão de Fernanda e lhe tascou um beijo de língua, rápido, mas que corou todos a mesa, sobretudo a sua mãe homofóbica.
Quando o beijo terminou ambas se levantaram. De mãos dadas com Fernanda, Leila apenas respondeu:
“Além de sogra, você também será avó. Fernanda está grávida, com a inseminação do meu óvulo.”
Silêncio. Ninguém disse mais nada.
Leila e Fernanda se retiraram de mãos dadas dali.
Por Sérgio Lourenço
para sua coluna Queer-se.
Respostas de 5
As lésbicas vivem um dilema maior de aceitação porque os “papéis femininos” via de regra são conflitantes: entre irmãs, nora e sogra, “as amigas”, as colegas! Quando namorei colega e, como amigo frequentei a casa dele (iniciando lá também) meu colega disse podemos tomar café de sunga, apenas meu pai fica até agora e é “mente aberta”. De fato me recebeu bem e quando me levantei da mesa deu de sentir suspiro dele! Até o filho dele disse que com a ex noiva dele não aconteceu suspiros. O então “futuro sogro” justificou a “trivialidade” da relação hetera, mas entre homens, namoro, ajustes feitos e percebeu minha nadegas arrepiar com a respiração dele (que era fumante)!
Eu amei, muito bom o conto.
Olá Catarina, minha querida afilhada. Obrigado pela leitura e comentário.
Bárbaro conto! Capaz de nós fazer sentir as sinapses dos personagens. Maravilha!
Mauro, tudo bem? Poxa, obrigado pelo carinho da leitura e mensagem. Um grande abraço.